Decisão ‘inesperada’ da Suprema Corte dos EUA favorece democratas

Em duas decisões tomadas nos últimos anos sobre direitos ao voto, a maioria conservadora da Suprema Corte dos EUA favoreceu o Partido Republicano. Esperava-se que a decisão que a corte iria anunciar na quinta-feira (8/6) seria apenas mais uma. Mas, surpresa: em uma decisão “inesperada”, desta vez a Corte favoreceu o Partido Democrata.

Em decisão ‘inesperada’, Suprema Corte favoreceu Partido Democrata

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A consequência mais notável dessa decisão é a de que ela criou condições para o Partido Democrata retomar o controle da Câmara dos Deputados nas eleições gerais de 2024, reconquistando uma maioria que perdeu para o Partido Republicano nas eleições de 2022, exatamente porque a Suprema Corte congelou, temporariamente, a decisão de um tribunal de recursos que favoreceria os democratas — a mesma decisão que tomou agora.

De acordo com a atual decisão da Suprema Corte (em Allen v. Milligan) — e a anterior do tribunal de recursos — os deputados estaduais devem, ao elaborar os mapas distritais em estados “racialmente polarizados, criar um máximo de distritos eleitorais com maioria negra ou próxima disso, usando os critérios tradicionais”.

“Allen” é o secretário de estado do Alabama Wes Allen, autoridade máxima do processo eleitoral no estado. Ele foi processado porque o estado, que tem sete distritos eleitorais, adotou um mapa, desenhado pela maioria republicana na Assembleia Legislativa, que reservou apenas um distrito aos eleitores negros — apesar de a população negra compor 27% (mais de um quarto, portanto) da população do estado.

A Suprema Corte manteve a decisão do tribunal de recursos, segundo a qual os eleitores negros têm direito a mais um distrito eleitoral, sustentando-se no previsto na Seção 2 da Lei dos Direitos ao Voto (Section 2 of the Voting Rights Act) de 1965 e em precedente de 1986.

Assim, os eleitores negros poderão eleger dois deputados federais, em vez de apenas um, como foi na eleição de 2022 — além de mais deputados estaduais.

A eleição de apenas mais um deputado federal pelos eleitores de Alabama é um ganho significativo, porque os democratas precisam recuperar apenas cinco cadeiras das que perderam em 2022, para obter a maioria na Câmara dos Deputados Federal.

E existem ações semelhantes tramitando em quatro outros estados (Arkansas, Carolina do Sul, Flórida, Geórgia e Texas), em que os juízes poderão seguir o precedente recém-estabelecido pela Suprema Corte.

Além disso, a Suprema Corte deverá decidir, em breve, um caso da Carolina do Norte em que a  Assembleia Legislativa do estado elaborou um mapa distrital que pretende garantir mais cinco cadeiras para o Partido Republicano.

Essa “malandragem” política, que tem o apelido de gerrymandering nos EUA, consiste em compactar os eleitores de uma minoria racial (normalmente eleitores negros) em um único distrito e diluir o restante desses eleitores em alguns distritos de maioria branca. Dessa forma, elegem um deputado em um distrito e perdem nos demais.

Isso ocorre mais frequentemente nos “red states” (os 22 estados dominados por republicanos, geralmente no Sul e no Centro dos EUA) do que nos “blue states” (os 18 estados dominados por democratas) – e algumas vezes nos “purple states” ou “swing states” (os 10 estados em que republicanos e democratas se alternam no poder, de uma eleição para outra.

Nos “red states”, normalmente os eleitores brancos, em maioria, votam em candidatos do Partido Republicano e os eleitores negros, em maioria, votam em candidatos do Partido Democrata. Fica mais fácil para os deputados estaduais saberem onde estão os eleitores negros, porque, nos EUA, eles tendem a se concentrar em uma ou duas áreas das cidades.

A decisão tomou esse rumo inesperado (5 votos a 4 a favor dos eleitores negros) porque dois ministros conservadores, Brett Kavanaugh e John Roberts, que é o presidente da Corte, votaram com as três ministras liberais, Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson.

O relator do voto da maioria, ministro John Roberts, escreveu que a decisão da corte não favorece indevidamente os eleitores negros. “Os tribunais inferiores concluíram corretamente que os eleitores negros podem constituir uma maioria em um segundo distrito, que for razoavelmente configurado.”

Para ele, também foi correta a conclusão do tribunal de recursos de que há polarização racial em Alabama, “onde o sucesso eleitoral da população negra é virtualmente zero e o estado tem uma extensa história de discriminação racial repugnante, que é inegável e bem documentada, especialmente no que se refere a eleições”.

O voto da minoria, que se opõe à criação de um segundo distrito para os eleitores negros, foi escrito pelo ministro Clarence Thomas, que é negro. Aderiram ao voto dissidente os ministros Samuel Alito, Neil Gorsuch e Amy Coney Barret que, com Thomas, formam o quarteto mais conservador da corte. Thomas critica a decisão da maioria:

“A questão é se a Lei dos Direitos ao Voto requer que o estado de Alabama tem de redesenhar intencionalmente seu mapa distrital, de forma que os eleitores negros tenham controle de um número de cadeiras na Câmara dos Deputados correspondente à proporção da população negra no estado. A lei não prevê tal coisa e, se o previsse, a Constituição não o permitiria”, escreveu.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Consultor Júridico

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