Apresentada ao público nesta segunda-feira (28/8), a edição de 2023 do “Relatório Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça, apontou um recorde no número de ações levadas ao Poder Judiciário brasileiro em um ano: 31,5 milhões de processos chegaram à Justiça em 2022, o que corresponde a um incremento de 10% em relação ao ano anterior — é o maior número desde a primeira edição do levantamento do CNJ, há 14 anos.
Para entender melhor esse fenômeno, a revista eletrônica Consultor Jurídico pediu a opinião de alguns operadores do Direito. Entre as razões apontadas por eles para o recorde estão desde o aumento da credibilidade do Judiciário até o boom de divórcios provocado pela crise causada pela Covid-19 e o incremento da tecnologia nos tribunais.
Presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), a juíza Vanessa Mateus acredita que o resultado da pesquisa demonstra a importância do Judiciário, mas também mostra que há problemas a serem resolvidos.
“Não há dúvidas de que, por um lado, os números revelam que o Poder Judiciário é a última instância de salvaguarda da população, lugar em que se busca a efetivação dos direitos. Por outro lado, esses números são o resultado de uma política de ampliação constante do acesso ao Poder Judiciário, mas sem a necessária preocupação com o acesso efetivo à Justiça”, criticou a juíza, para quem o resultado do levantamento do CNJ escancara um demandismo exagerado no país e a necessidade de uma mudança de mentaldiade do Judiciário brasileiro.
“Os números indicam uma necessidade de se repensar o sistema de Justiça, para que seja efetivo e eficiente.”
O promotor de Justiça de Mato Grosso do Sul João Linhares, por sua vez, afirma que o fenômeno é complexo demais para ser explicado apenas com a retomada da demanda pré-Covid-19. Ele também vê no resultado do “Justiça em Números” um excesso de judicialização da vida brasileira.
“Por um lado, nossa sociedade tem se polarizado em níveis alarmantes e o individualismo e o materialismo crescentes acabam afetando e reduzindo o diálogo e a tolerância, bem como a resolução consensual de conflitos”, disse Linhares. “Sob outro enfoque, sobretudo durante a pandemia, a tecnologia foi implementada com mais robustez e celeridade no âmbito do sistema de Justiça, facilitando e agilizando o acesso ao Judiciário.”
Segundo o promotor, a precariedade dos mecanismos de eficiência e de previsibilidade jurídica, aliada ao sucateamento de instituições e órgãos públicos, também resultou em questionamentos de direitos — e, consequentemente, em mais ações judiciais, sobretudo as de cunho previdenciário.
“Creio também que houve ligeiro aumento na credibilidade do Poder Judiciário, por conta do protagonismo na defesa da Constituição, do regime democrático e da cidadania engendrada pelo Supremo Tribunal Federal em quadra de nítida instabilidade governamental e de pouca temperança.”
Justiça mais acessível
O desembargador federal Paulo Fontes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), por sua vez, defende a tese de que o acesso à Justiça está cada vez mais próximo da população de baixa renda.
“É claro que existe um número muito grande de ações em curso e de ajuizamentos anuais, mas é difícil identificar uma causa específica dessa litigiosidade. O brasileiro pobre ainda é muito lesado nos seus direitos e pode estar tendo um maior acesso à Justiça. Um dado importante é que o número de feitos julgados em 2022 superou em muito as ações ajuizadas no mesmo ano. Isso mostra claramente o esforço que juízes e tribunais vêm fazendo, sob a orientação e fiscalização do CNJ”, destacou ele.
Outro desembargador, Ary Raghiant Neto, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), explica o recorde de ações com fatores econômicos, a degradação das relações matrimoniais durante a crise sanitária e o maior conhecimento da população sobre seus direitos.
“O incremento da ordem de 10% no número de ações ajuizadas em 2022, em comparação a 2021, conforme relatório do CNJ, justifica-se a partir de algumas constatações, como o aumento do grau de endividamento da população, que em 2022 atingiu a marca de 80% das famílias.”
Raghiant Neto também cita o volume de ações ajuizadas por consumidores, por causa de falhas na prestação de serviços, para explicar o resultado do levantamento do CNJ.
“Parece-me óbvio que esse incremento de 10% no aumento das ações em 2022 sinaliza uma maior confiança da população no Poder Judiciário de uma maneira geral, até porque o Judiciário julgou mais neste último ano (10,9%), demonstrando compromisso com a sociedade brasileira ao solucionar os litígios buscando a pacificação social.”
Por fim, o desembargador lembra que existem outros meios para resolução de conflitos, além do Poder Judiciário, mas ele ressalta que o cidadão brasileiro, especialmente o hipossuficiente, confia mais na resposta da Justiça. “Tanto que quase 50% das demandas ingressadas em 2022 contam com a gratuidade prevista em lei.”
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