A aprovação em 2013 da chamada Lei Anticorrupção (nº 12.846), cujos dez anos se comemoram neste mês de agosto, constituiu um verdadeiro marco no combate às diversas práticas lesivas ao patrimônio público.
Até aquele momento, a legislação sobre o tema tinha em mira apenas um dos lados dessa atividade ilícita — o agente estatal corrupto. Com o novo dispositivo, tornou-se enfim possível fechar o circuito de malfeitos contra o erário, já que seu objetivo é responsabilizar, civil e administrativamente, as pessoas jurídicas corruptoras — que superfaturam contratos, fraudam licitações e pagam subornos.
Tanto uma resposta da classe política às manifestações de junho de 2013 como uma consequência de acordos internacionais firmados anteriormente, a nova lei colocou o Brasil no rol dos países com legislação mais avançada contra a corrupção, além de impulsionar mudanças nas estruturas administrativas das empresas, popularizando a cultura de integridade, ou compliance, algo até então praticamente inexistente por aqui.
Os números alcançados pela norma são eloquentes. Nestes dez anos, foram instaurados 1.664 processos e aplicadas multas no valor de R$ 1,3 bilhão, segundo a Controladoria-Geral da União.
Dentre as inovações trazidas pelo diploma, certamente a mais conhecida são os acordos de leniência. O instrumento, uma espécie de delação premiada do setor privado, facilitou a reparação dos prejuízos causados aos cofres públicos. A empresa que admite sua participação em atos ilícitos e colabora com as investigações ganha, em contrapartida, a possibilidade de ter suas penas amenizadas, de pagar multas menores e de continuar participando de licitações públicas. Os 25 acordos de leniência já fechados permitiram a recuperação de R$ 18,3 bilhões.
Outra novidade importante introduzida pela lei foi a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas, na qual as empresas podem ser punidas por atos de corrupção independentemente de dolo ou culpa — inclusive se praticadas por terceiros.
O sucesso conquistado pelo diploma nesse primeiro decênio também pode ser medido por uma pesquisa conduzida recentemente pela Transparência Internacional com executivos de compliance de 100 das 250 maiores empresas do país. Nada menos que 95% deles consideram seus efeitos benéficos.
Apesar da avaliação positiva quase unânime e dos muitos avanços trazidos pela lei — na mesma linha dos implementados pela Lei da Ficha Limpa e pela Lei de Acesso à Informação — sem dúvida resta muito a ser feito e aperfeiçoado. O mesmo levantamento revela que, para 91% dos entrevistados, os sistemas de integridade das empresas ainda se mostram imaturos e pouco capazes de balizar comportamentos. A lei também influenciou pouco a adoção da cultura de compliance entre as pequenas e médias empresas do país, que compõem a esmagadora maioria do setor privado.
No que diz respeito à regulamentação do diploma, embora a lei não a requisite como condição de eficácia para os estados e municípios, é preocupante que sete estados (Bahia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Piauí e Sergipe) ainda não tenham dado esse passo necessário à celeridade da aplicação dos dispositivos. Na mesma situação encontram-se quase 60% dos municípios do país, de acordo com estudo recente do Banco Mundial e do Conselho Nacional de Controle Interno.
Ainda, de pouco vale uma boa lei se sua aplicação é falha. Assim, é certamente motivo de apreensão que, para 72% dos executivos ouvidos pela Transparência Internacional, a capacidade das autoridades de aplicar sanções pelo descumprimento da lei, o chamado “enforcement”, tenha estagnado ou diminuído nos últimos cinco anos.
Recuperar a vitalidade dos órgãos de combate à corrupção e avançar na regulamentação em estados e municípios se impõem, portanto, como tarefas cruciais para que a lei siga ampliando o seu poder de coibir a prática da corrupção.
Dados os bons resultados colhidos nesses dez anos, contudo, prefiro olhar o copo meio cheio — o que não significa, claro, que ele não precise ser preenchido.
E os Tribunais de Contas com tudo isso? Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha vedado ao Tribunal de Contas da União impor sanção de inidoneidade às empresas que firmam acordos de leniência, esses pactos não obstam totalmente a atuação do órgão de controle externo federal.
Como bem ressalvou o ministro Nunes Marques, as instituições devem atuar de forma coordenada para evitar conflitos que decorrem da “intersecção do microssistema legal de anticorrupção” (MS 36.173-DF).
Desse modo, as Cortes de Contas estão habilitadas a perseguir a reparação integral do dano ao erário, nos termos do artigo 16, 3º, da Lei 12.846, bem como sancionar dirigentes e administradores empresariais, uma vez que a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual das pessoas naturais.