Pedidos de alteração de dosimetria da pena, aplicação do redutor do tráfico privilegiado e revogação de prisão preventiva são os que mais têm levado os ministros do Superior Tribunal de Justiça a conceder a ordem em Habeas Corpus e o recurso em HC.
O levantamento foi feito pelo advogado David Metzker, com dados de 1º de janeiro a 31 de julho deste ano. Ele continua compilando diariamente todas as concessões de ordem com o objetivo de entender como o Habeas Corpus é percebido e admitido pelos integrantes do STJ.
Os dados indicam que os dois principais motivos que levaram os ministros a conceder HC nos primeiros sete meses de 2023 foram relacionados ao procedimento que os juízes usam para definir a pena dos que são condenados criminalmente. O Brasil adota o sistema trifásico de dosimetria.
Na primeira fase, o juiz considera as circunstâncias judiciais para fixar a pena-base. Na segunda, aplica atenuantes e agravantes genéricas. E, na terceira fase, as causas de aumento ou diminuição. O cálculo é feito a partir das convicções do julgador e de critérios previstos abstratamente pelo legislador.
De janeiro a julho, o STJ concedeu a ordem 1.903 vezes para redefinir a dosimetria. E outras 1,3 mil para tratar de um tema que também se insere na fixação da pena, mas merece capítulo à parte: a aplicação do redutor do chamado tráfico privilegiado.
Previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas, esse redutor tem uma forma de aplicação que é motivo de intensa disputa jurisprudencial. Ele é destinado ao traficante de primeira viagem, que é primário, tem bons antecedentes e ainda não se encontra inserido na criminalidade.
A aplicação do tráfico privilegiado pode reduzir a pena mínima, que seria de quatro anos, para até um ano e oito meses. O problema é que o legislador não estabeleceu parâmetros para esse uso, o que levou o próprio STJ a concluir que não cabe fazer essa uniformização.
Assim, casos semelhantes poderão ter penas diferentes, o que fatalmente vai gerar mais Habeas Corpus. E, mesmo na parte em que é possível uniformizar uma interpretação, o próprio STJ tem mostrado falta de certeza sobre quais caminhos seguir.
Jurisprudência claudicante
O maior exemplo é o do uso da natureza e da quantidade de drogas na aplicação do tráfico privilegiado. Esse é um dado que pode servir para aumentar a pena-base do réu, mas também para indicar que ele se dedica a atividades criminosas, o que inviabiliza o redutor.
Em 2014, o Supremo Tribunal Federal definiu que natureza e quantidade de drogas devem ser consideradas em apenas uma das fases da dosimetria da pena. A tese passou a ser interpretada de maneira dispersa inclusive no STJ, com julgados em sentidos diferentes.
Em junho de 2021, a 3ª Seção finalmente chegou a um consenso, mas, apenas quatro meses depois, houve uma proposta de revisão desse entendimento. E, em abril de 2022, o colegiado de fato revisou a jurisprudência.
A posição agora é de que quantidade e natureza das drogas não precisam ser usadas, necessariamente, para aumentar a pena-base do réu. Elas podem ser destinadas a, na terceira fase da dosimetria, modular a aplicação do redutor — ou seja, para ver quanto a pena será reduzida, dentro da janela de um sexto a dois terços que a lei prevê.
Cada mudança de entendimento representa uma oportunidade para as defesas contestarem as posições ultrapassadas por meio de Habeas Corpus. Não à toa, o quinto tema que mais gera concessões de ordem é um dos que foram profundamente afetados pela jurisprudência do STJ.
Entre janeiro e julho, o tribunal concedeu 492 HCs e RHCs sobre invasão de domicílio. Desde março de 2021, a posição é de tratar com mais rigor as hipóteses de quebra da inviolabilidade do lar, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico em diversas oportunidades.
Liminares
Na análise de pedidos liminares, a concessão de ordem por ministros do STJ é absolutamente orientada pelo principal objetivo do Habeas Corpus: servir como um remédio constitucional para garantir a liberdade de alguém após prisão ilegal ou ameaça de sua ocorrência.
Os três temas que mais levam à concessão de liminares são relacionados à revogação da prisão preventiva: por ter sido baseada em pequena quantidade de drogas (329 casos); por ausência de fundamentação adequada (212 casos); ou por desnecessidade de uma medida tão gravosa (89 casos).
Os dados compilados por David Metzker também oferecem um valioso indicativo de como cada julgador da 3ª Seção encara os pedidos de liminar. O levantamento inclui decisões da presidente da corte, Maria Thereza de Assis Moura, e do vice, Og Fernandes, durante o plantão no recesso judicial.
O ministro Rogerio Schietti é, de longe, o maior adepto do uso de liminares, com 325 concedidas de janeiro a julho. O desembargador convocado Jesuíno Rissato e os ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha também deram mais de uma centena delas cada um.
Na outra ponta, os ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas e o desembargador convocado João Batista Moreira mal ultrapassaram uma dezena de liminares. Isso não implica necessariamente prejuízo às defesas, uma vez que pode indicar uma análise mais ágil do mérito do HC, por exemplo.
Metzker explica que essa análise é relevante inclusive para entender, em casos de prevenção, se é apropriado fazer um pedido de liminar ao ajuizar o Habeas Corpus.
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