O empresário Emílio Odebrecht, em seu novo livro de memórias, acusa a finada “lava jato” de criar uma “fábrica de delações”, no intuito de forjar provas. Conforme o relato, a autodenominada força-tarefa de Curitiba incentivava blitz de madrugada nas celas dos executivos da sua construtora na Polícia Federal para humilhar os prisioneiros, forçar depoimentos e manter um fluxo de operações.
O livro ainda não foi lançado, mas o Estadão teve acesso ao seu conteúdo. Emílio argumentou que, em meio à enxurrada de material sobre a “lava jato”, não teve espaço para dar sua versão completa sobre seus impactos. O senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz dos processos do consórcio de Curitiba, não quis comentar o teor do livro.
O empresário foi alvo da “lava jato”, junto com outros executivos, como seu filho Marcelo Odebrecht. Emílio chegou a ser condenado por lavagem de dinheiro e assinar um acordo de delação premiada, mas a ação foi anulada devido a erros processuais e à parcialidade de Moro.
Excessos
Nas 320 páginas de “Uma guerra contra o Brasil — como a ‘lava jato’ agrediu a soberania nacional, enfraqueceu a indústria pesada brasileira e tentou destruir o grupo Odebrecht”, Emílio acusa Moro de promover tortura psicológica e cometer erros jurídicos para garantir sentenças rápidas.
O empresário conta que, certa vez, o então juiz proferiu uma decisão apenas três minutos após receber um documento de 1,4 mil páginas enviado pela defesa dos presos.
Outra alegação é a de que Moro violou direitos fundamentais nos processos contra Marcelo. O principal excesso, segundo ele, foi a divulgação de uma conversa entre a esposa e uma filha (de 14 anos) do executivo. Para Emílio, o juiz foi “cínico” e não teve escrúpulos ao tornar públicas as gravações que envolviam uma criança.
Ainda segundo o empresário, Moro forçou a mão ao apresentar a versão de que a empresa mantinha um “departamento de propina”. Emílio reconhece que existiu um sistema de geração de recursos não contabilizados (caixa dois), mas justifica: “Desde a invenção do capitalismo, é comum empresa média ou grande manter pelo menos 1% de seu faturamento alocado. Não é certo, mas assim é, e serve para atender a contingências inesperadas”.
O caixa dois, conta o empresário, era usado para pagamentos em espécie a fornecedores, principalmente em zonas de conflito e não convencionais, como resgate de sequestros em países de alto risco (aconteceram 11 em três décadas). Contribuições para campanhas políticas também saíam desse caixa.
“Em algum momento serviu para ‘compra’ de finalidades, quando absolutamente inevitável? É provável que sim, mas o encaminhamento de todos os inquéritos relacionados ao tal ‘departamento de propinas’ para a Justiça Eleitoral é a comprovação definitiva de que os ilícitos penais que a força-tarefa anunciou ter descoberto simplesmente não existiram”, assinala ele.
O autor do livro ainda acusa Moro de classificar doações de campanha como propinas e conta que ouviu um procurador dizer, em Brasília, que queria ver a Odebrecht quebrada e Marcelo “apodrecendo na cadeia”.
Ele também afirma que, em 2010, a então primeira-dama Marisa Letícia pediu a um executivo da Odebrecht a reforma do sítio da família em Atibaia (SP). Emílio autorizou, mas ordenou que o nome da empresa não aparecesse. Segundo o empresário, Moro transformou uma questão moral em um crime de lavagem de dinheiro.
Visão de terceiros
O prefácio do livro é de Rubens Ricupero, que foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda no governo do ex-presidente Itamar Franco e membro do conselho de administração da Odebrecht, entre 2005 e 2018. Segundo ele, a “lava jato” produziu um excesso de material e ignorou o contraditório.
“A impressão que se retira da leitura da massa de material acumulado é que as pessoas se definiram desde os primeiros momentos”, observa ele. Assim, “os campos dos favoráveis ou contrários já se encontravam demarcados em termos gerais e suas grandes linhas pouco se modificaram com o tempo”.
Na orelha do livro, o jornalista, escritor e biógrafo Fernando Morais complementa: “Passados sete anos, não restam dúvidas de que a ‘lava jato’, parte integrante do golpe de 2016, foi concebida para inabilitar a candidatura de Lula, eleger Bolsonaro e destruir a outrora poderosa indústria da construção pesada, abrindo caminho para suas concorrentes estrangeiras”.