Como é cediço, a Lei nº 11.101/2005 que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, trouxe grande auxílio para as empresas em alto grau de dificuldades financeiras, fazendo com que — na medida do possível — essas empresas devedoras continuassem suas atividades, mantivessem sua fonte de produção e buscassem cumprir de forma simples suas obrigações perante os credores.
Em que pese referida lei, para o mundo jurídico, ser relativamente nova, alguns mecanismos trazidos por ela continuam totalmente desconhecidos por seus operadores, como por exemplo a Unidade Produtiva Isolada (UPI), prevista no artigo 60 da referida lei.
Entende-se por UPIs como um agrupamento de ativos de uma empresa necessários para a manutenção e desenvolvimento de uma ou mais de suas atividades e que podem ser alienados durante o processo de recuperação judicial. Esse mecanismo faz com que a empresa consiga, de maneira independente, arcar com boa parte ou a totalidade dos débitos, sem que sofra interferência de qualquer ato de constrição. Isto porque, o parágrafo único ainda do artigo 60 deixa claro que “o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no §1º do artigo 141 desta Lei”.
Isso significa que, muito embora possam subsistir débitos atrelados a empresa recuperanda, com a nova roupagem ocasionada pela UPI fará com que surja um novo CNPJ e devidamente “limpo”, tendo em vista que conforme determinado pelo artigo 60, a UPI estará livre de qualquer ônus e sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza.
Explicando melhor o mecanismo, tem-se que, em se tratando de recuperação judicial e tendo a empresa recuperanda o benefício, ou melhor, o deferimento da recuperação judicial por meio de decisão judicial, ela poderá, através de sua assessoria técnica e jurídica capacitada, elaborar um plano de recuperação judicial que será encaminhado aos credores para votação e junto com esse plano poderá conter — a título de medida de restruturação — a alternativa de alienação de seus ativos por meio de UPI, cujo a destinação será prioritariamente o pagamento de seus credores, sem que esse conjunto sofra influência de outra dívidas.
A doutrina, por sua vez, diante da imprecisa definição do mecanismo atribuída pela lei, buscou conceituar o termo, corroborando com a ideia de que a UPI seria o mesmo que um estabelecimento empresarial (artigo 1.142 do CC), afirmando Jorge Lobo que sob a denominação de alienação de unidades produtivas isoladas a LRF estaria se referindo ao decantado trespasse de estabelecimento (Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 5º ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 230).
Já outros doutrinadores , conforme menciona o ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva (cf. voto REsp 1.689.187 RJ) deram ao termo uma conceituação um pouco mais abrangente, privilegiando o entendimento de que se trata de um complexo de bens organizado (estabelecimento), mas que não corresponde necessariamente à organização originalmente dada pelo devedor, sendo necessário apenas que tenha capacidade de operar de forma autônoma e que sobrem meios para a recuperanda (alienante) continuar em atividade, sob pena de mascarar uma venda de empresa, na qual não se pode cogitar da ausência de sucessão, especialmente tomando em conta a existência de credores extraconcursais.
Assim, o que se verifica é que a UPI representa uma segregação parcial ou total do patrimônio e das unidades operacionais da companhia em recuperação judicial, a qual estará completamente isenta de passivos de quaisquer naturezas existentes na recuperanda, fato este que favorecerá o interesse em ser adquirida por eventuais credores.
Por sua vez, quem adquirir a UPI deverá, dentre as obrigações, realizar o pagamento de aquisição do ativo, conforme o plano constituído pela Assembleia Geral dos Credores (AGC) e posteriormente homologado judicialmente.
Diante disso, existirá uma enorme vantagem de um adquirente tomar para si um CNPJ devidamente “limpo” e que possibilite incorporá-la em seu portfólio unidades com grande possibilidade de ganhos e que antes não se materializava em razão da gestão anterior e do risco de constrição que sofria o referido ativo.
Esse mecanismo alternativo (portanto, não obrigatório), além de possibilitar um ganho de caixa novo para a recuperanda, poderá trazer um novo traje de credibilidade junto aos credores, facilitando a solvência e recuperação da empresa, além de transparecer em uma maior robustez ao Plano de Recuperação Judicial pela Assembleia Geral de Credores (AGC), procedimento obrigatório previsto no processo de homologação da recuperação judicial.