Emanuel Matias: Oferta do ANPP e maus tratos a animais

O sistema legal é uma construção complexa que busca o equilíbrio entre a garantia dos direitos individuais e o interesse público. No Brasil, uma das ferramentas jurídicas que têm ganhado destaque nos últimos anos é o Acordo de Não Persecução Penal. No entanto, a aplicação desse instrumento em casos de crimes de maus-tratos a animais tem gerado debates acalorados. Aqui analisaremos a oferta do ANPP, a Teoria do Link e a pertinência de sua aplicação em casos de crueldade contra animais.

Natureza do ANPP

O ANPP é oferecido pelo Ministério Público e não é, em sua essência, um direito do acusado, mas sim uma possibilidade de acordo que visa a celeridade e eficiência do sistema de justiça criminal. Este instrumento permite que o acusado, desde que preencha os requisitos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, firme um acordo com o Ministério Público, aceitando a responsabilidade pelo delito cometido e cumprindo sanções alternativas à persecução penal tradicional.

A conveniência do MP na oferta do ANPP é alicerçada na ideia de que ele pode ser uma alternativa eficaz em casos nos quais a condenação criminal se mostra excessiva, morosa ou desproporcional. No entanto, a questão que surge é se essa conveniência deve se estender a crimes de maus-tratos a animais, sobretudo quando estes envolvem requintes de crueldade.

Pertinência da aplicação do ANPP em casos de crueldade animal

Agora, chegamos ao cerne da questão: seria razoável e essencial que o Ministério Público, ao observar crimes de maus-tratos a animais com requintes de crueldade, inviabilize a oferta do ANPP? Esta é uma questão que exige uma análise cuidadosa, visto que envolve princípios fundamentais do sistema de justiça.

Argumentos favoráveis a oferta do ANPP

Os que defendem a oferta do ANPP em casos de maus-tratos a animais argumentam que a  interpretação de que aquela violência mencionada no requisito para a propositura do ANPP é apenas contra a pessoa humana. E que a interpretação das normas penais devem ser sempre mais benéficas ao acusado.

Além disso, a oferta do ANPP pode ser vista como uma forma de aliviar a sobrecarga do sistema de justiça criminal, permitindo que os recursos sejam direcionados para casos considerados mais complexos e graves. Isso pode ser especialmente relevante em um contexto em que o Brasil enfrenta desafios significativos em seu sistema prisional.

Argumentação contra a oferta do ANPP

Por outro lado, a crueldade contra animais não pode ser considerada um delito comum, como um roubo simples, por exemplo. Crimes de maus-tratos a animais, especialmente quando envolvem requintes de crueldade, podem ser indicativos de uma propensão à violência que transcende o âmbito dos animais e pode representar uma ameaça à sociedade como um todo.

A Teoria do Link

Esta teoria argumenta que a crueldade contra animais está frequentemente ligada a comportamentos mais amplos, incluindo violência contra seres humanos. Portanto, o entendimento de que a crueldade contra animais é um indicador de comportamento violento é um ponto crucial para ser avaliado ao avaliar a oferta da ANPP em casos de maus-tratos a animais.

Mencionando Marcelo Robis Nassaro em “Maus tratos aos Animais e Violência Contra Pessoas”, “(…) pessoas adultas que praticam atos de maus tratos aos animais, tendem a apresentar traços mais elevados de violência e insensibilidade, podendo praticar atos violentos em seu ambiente familiar contra outras pessoas e animais. E quando a violência é praticada em ambiente familiar contra crianças e adolescentes, estes podem assimilar esse comportamento passando a praticá-lo, inclusive posteriormente, na fase adulta, daí porque os maus-tratos contra os animais, a violência doméstica e o abuso infantil constituem, conforme Phil Arkow e Frank Ascione, o ciclo contínuo da violência que tende a se manter até ser quebrado”.

A Teoria do Link, que associa a crueldade contra animais a comportamentos criminosos mais amplos, adiciona um componente crucial à discussão. Se de fato há evidências empíricas substanciais que sustentem essa associação, a oferta do ANPP em casos de maus-tratos a animais com requintes de crueldade é questionável, pois o sistema de justiça tem a responsabilidade de proteger a sociedade.

Perspectiva da proteção animal

Aqueles que lutam pela proteção dos direitos dos animais argumentam que a crueldade contra seres vivos merece ser tratada com a devida seriedade, e a oferta do ANPP pode ser vista como uma forma de minimizar a responsabilidade do agressor. A Teoria do Link, que destaca a conexão entre maus-tratos a animais e violência contra seres humanos, amplia essa preocupação.

Os defensores dos animais defendem que, em vez de oferecer o ANPP, as autoridades deveriam se concentrar na aplicação rigorosa das leis de proteção animal e em medidas educacionais para conscientizar a sociedade sobre a importância do bem-estar dos animais. Argumentam que a tolerância com a crueldade contra animais pode ser o primeiro passo para a tolerância com a violência em geral.

Perspectiva do Sistema de Justiça

A oferta do ANPP em casos de maus-tratos a animais pode ser vista como uma ferramenta para desafogar o sistema judicial. Com o volume crescente de processos, a capacidade de priorizar casos mais complexos e graves torna-se um fator importante.

No entanto, é vital que o sistema de justiça leve em consideração a Teoria do Link ao avaliar a conveniência de oferecer o ANPP em casos de crueldade animal. As preocupações com a potencialidade criminosa dos agressores devem ser levadas a sério, e os acordos firmados devem ser cuidadosamente estruturados de forma a incluir sanções adequadas e medidas de conscientização para prevenir a reincidência.

Necessidade de abordagem equilibrada

A discussão em torno da oferta do ANPP em casos de maus-tratos a animais revela a necessidade de uma abordagem equilibrada. É importante considerar o contexto de cada caso individual, levando em consideração fatores como a gravidade dos maus-tratos, a história do agressor e a presença de indicativos de violência futura.

Conclusão

Ao considerarmos a possibilidade de ofertar o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) em casos de maus-tratos a animais com agravantes de crueldade, é essencial uma análise minuciosa da estreita ligação entre a prática desses delitos e a propensão subsequente a atos criminosos.

Nesse contexto, a interpretação mais apropriada sugere que, quando houver evidências claras de violência contra animais, os representantes do Ministério Público devem, com sensibilidade, abster-se de oferecer o ANPP, levando em consideração o potencial impacto prejudicial da decisão.

Consultor Júridico

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