Pessoas brancas seguem ainda representando a grande maioria (83,8%) magistrados da Justiça brasileira. De acordo com o mais recente Diagnóstico Étnico Racial do Poder Judiciário, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), identificam-se como pessoas pretas apenas 1,7% dos magistrados e magistradas. Já o percentual de juízes que se autointitulam pardos é um pouco maior: 12,8%.
Com a somatória dos pretos e pardos, a proporção de negros é de 14,5%. Os dados foram apresentados na segunda-feira (4/9), durante o II Seminário de Questões Raciais no Poder Judiciário, em Brasília.
A pesquisa revelou também que, dos magistrados ativos, apenas 0,5% foram aprovados por meio das cotas étnicas-raciais. Dos que tomaram posse a partir de 2016 (após a entrada em vigor da Resolução CNJ n. 203/2015), 3,5% ingressaram por cota — ou seja, 95,8% dos juízes titulares e juízes substitutos negros ingressaram na magistratura nos cargos de ampla concorrência.
Juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Karen Luise de Souza afirmou que não há como atingir o objetivo se não houver engajamento, orçamento e a instituição de um programa de ação afirmativa específico. “Queremos juízes negros na magistratura e precisamos mais do que cotas. Precisamos dar a eles e elas condições de concorrência, de estudo”, disse.
“Quando falamos de representação e representatividade não estamos falando de um projeto estético para o Poder Judiciário brasileiro, mas de um projeto de sociedade. Nunca é demais dizer que para termos um Judiciário representativo, ele precisa estar à altura do nosso povo”, completou.
Karen reforçou que a política de cotas, que previa 20% de magistrados negros ingressando na magistratura brasileira, ainda não está cumprindo seu papel suficientemente. “Se temos apenas 3,5% de pessoas ingressando na magistratura pelo sistema de cotas não estamos cumprimos a meta. A mesma coisa podemos dizer em relação aos servidores (6%)”, observou.
A política foi importante principalmente entre os magistrados que se autointitularam pretos: a representatividade foi de 12,4% de aprovação pelo regime afirmativo. Entre os servidores que tomaram posse a partir de 2015, após a Lei 12.990/2014, 6,3% ingressaram por cotas raciais e 90% por meio da ampla concorrência.
A diretora Executiva do DPJ chama atenção para os dados parciais do 2º Censo do Poder Judiciário levantados até agora (com pouco mais de 30% apenas respondido), o número é de 14,9% de pessoas negras.
“Os números são semelhantes. Em ambos os levantamentos não é possível falarmos em melhora dos índices de paridade. Pode levar 20, 30, 40 anos para isso acontecer. Projetávamos que chegaríamos perto da equidade por meio da política de cotas e não foi o que constatamos. Essa entrada na magistratura é muito lenta e depende de dados que não podemos estimar”, disse.
Acompanhamento permanente
O Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário traz, de maneira inédita, dados coletados pela Módulo de Produtividade Mensal (MPM) relativos a questão de gênero, raça, cargos. A partir de agora, o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) fará um acompanhamento permanente dessas questões, o que permitirá análises mais fidedignas sobre o ritmo que o Poder Judiciário imprime em direção à equidade racial.
“Na trajetória de pesquisas sobre raça e cor, percebemos uma evolução histórica de pouca elevação no número de negros na magistratura. Ingressaram um pouco mais, mas ainda insuficientemente para refletir uma mudança étnico racial no Judiciário”, afirmou Gabriela Soares, diretora Executiva do DPJ durante apresentação do estudo.
O diagnóstico apresenta os tribunais que conseguiram atingir maiores e menores níveis de paridade entre pessoas negras (pretos e pardos) e brancas, assim como as análises sobre o tempo necessário de ações afirmativas e regime de cotas para atingir a equidade. Em 36 dos 92 órgãos, (39%) não há nem sequer um registro de magistrados pretos.
De acordo com dados do Diagnóstico, a maioria dos servidores também é composta por pessoas brancas (68,3%) e 29% responderam ser negras – sendo 4,6% pretas e 24,5% pardas. Entre os estagiários, também há uma maioria branca (56,9%).
Estagiários que se autodeclaram pretos são 10,3% e pardos, 30,7%. Em comparação com o Relatório Negros e Negras no Poder Judiciário elaborado em 2021, as conclusões foram relativamente semelhantes: 30% dos servidores se autointitularam negros ou pardos; entre magistrados o índice atingiu 12,8% e estagiários, 33,9%.
Melhores e piores índices
Os dados revelam que no Tribunal de Justiça do Estado do Amapá 61% dos magistrados são negros, mais do que a população brasileira negra (56,1%). Na Justiça do Trabalho, o maior percentual é verificado no Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (Sergipe), com 47,1% de juízes e juízas negros.
Na Justiça Federal, nos tribunais superiores e na Justiça Militar os percentuais diminuem: são 32,6% no Tribunal Regional Federal da 2ª Região; 14,7% no Superior Tribunal de Justiça; e 9,1% no Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais. O menor percentual de magistrados negros está no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), com 1,9%. Na Justiça Estadual, o menor percentual está no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), com 2,2%.
“Vale ressaltar que a comparação desses dados deve ser também observada em relação ao percentual de pessoas negras, pardas e brancas relativa dos estados para uma análise comparativa mais objetiva sobre o nível de inclusão alcançado em cada corte”, ponderou Gabriela Soares.
Cargos
Entre os cargos de chefia, as servidoras brancas estão melhor colocadas na Justiça. Elas representam 74,5% desses cargos, já 21,9% são mulheres negras. Portanto, as mulheres negras estão em um grupo de menor percentual de oportunidade para o alcance de cargo de chefia.
O Diagnóstico — que já está à disposição para consulta pública — também apresenta um panorama sobre pesquisas e normas relativas ao tema. E apresenta as iniciativas do Conselho Nacional de Justiça com base em discussões sobre a igualdade racial no Poder Judiciário, que remontam o ano de 2014 na realização do Censo do Poder Judiciário e que provocou a criação da Resolução CNJ 203/2015. A norma determina a reserva, para negros, de 20% das vagas ofertadas em concursos públicos para os cargos efetivos e da magistratura. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.