Aos 36 anos, Mira Murati, ex-diretora de tecnologia da OpenAI —criadora do ChatGPT— que chegou a comandar a companhia durante uma crise na qual Sam Altman foi destituído, apresentou ao público qual será a sua nova empreitada.
Sua startup, a Thinking Machine Labs, anunciou no início deste mês o Tinker, uma plataforma que promete democratizar o desenvolvimento de modelos de inteligência artificial. Usuários poderão aperfeiçoar modelos de linguagem de código aberto, como o chinês Qwen e o Llama da Meta, sem precisar se debruçar sobre todos os desafios técnicos e matemáticos desse exercício.
Em fevereiro, quando mal passava de um site com um manifesto por uma IA mais segura e uma lista de talentos estelares da tecnologia, a startup recebeu US$ 2 bilhões de Andreessen Horowitz, Nvidia e AMD, entre outras empresas, em troca de 16,67% da empresa —ou seja, os 100% do negócio já começaram avaliados em US$ 12 bilhões. E o nome de Murati era uma das principais justificativas para as altas cifras.
Nascida em 16 de dezembro de 1988 em Vlorë, na Albânia, a executiva cresceu durante os anos finais do regime comunista totalitário do país. Em entrevistas, ela já relatou como desviava de crateras de bomba no caminho da escola, durante o conturbado período de abertura da economia albanesa.
Embora ambos os pais de Murati fossem professores de literatura do ensino médio, ela encontrava seu lugar seguro nas olimpíadas científicas e de matemática.
Ainda na adolescência, a empreendedora ganhou uma bolsa de estudos e mudou-se para a cidade de Vitória, no Canadá. Depois, ela se matriculou em um programa de dupla graduação, completando um bacharelado em matemática pelo Colby College em 2011 e um bacharelado em engenharia mecânica, do Dartmouth College, em 2012 —a instituição onde foi criada a disciplina da cibernética e da inteligência artificial ainda nos anos 1950.
A startup Thinking Machines virou seu foco de atenção depois que deixou a OpenAI, após turbulências. Procurada por conselheiros da OpenAI, Murati foi uma das executivas cujos relatos levaram à destituição de Altman em novembro de 2023.
Folha Mercado
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Segundo o livro “Empire of AI” (ainda sem tradução), da jornalista Karen Hao, Murati relatou ao conselho que Altman era manipulador e pouco digno de confiança. Ele compartimentalizava informações, dando versões diferentes dos fatos para cada pessoa da liderança, segundo ela.
De acordo com relato da executiva ao New York Times, tudo o que ela disse aos conselheiros já havia sido dito diretamente a Altman em ocasiões anteriores. Além disso, quando funcionários da OpenAI assinaram um documento pedindo a volta de Altman, Murati foi uma das primeiras a assinar, ainda que fosse a CEO interina na situação.
Na OpenAI, a executiva liderou o lançamento dos principais produtos: o chatbot ChatGPT, o gerador de imagens Dall-E e o gerador de vídeos Sora, credencial que justifica o investimento bilionário recebido pela Thinking Mahine.
Outro sinal do peso de Murati no setor de IA é o assédio que seu novo projeto recebeu do CEO da Meta, Mark Zuckerberg. Segundo a revista Wired, a big tech fez propostas na casa de US$ 1 bilhão a 12 funcionários da Thinking Machines Lab. A maioria resistiu, mas a Meta conseguiu uma vitória importante: no último dia 14, o Yahoo confirmou que o conglomerado de redes sociais pagou US$ 1,5 bilhão para contratar Andrew Tulloch, matemático e um dos cofundadores da startup. É a maior contratação individual da história recente do Vale do Silício.
A carreira de Murati começou na Zodiac Aerospace, onde trabalhou com design de aeronaves, antes de ingressar na Tesla em 2013. Na montadora de Elon Musk, integrou a equipe que desenvolveu o Model X e trabalhou em projetos de veículos autônomos.
“Foi na Tesla em que eu tive noção de como a IA iria mudar toda a dinâmica dos transportes e como isso afetaria outros domínios —iria mudar principalmente a nossa relação com o conhecimento e informação”, disse Murati em evento da revista Wired.
Nesse momento, ela estava lendo Vernor Vinge, autor que teorizou ainda nos anos 1990 sobre quais os cuidados que a humanidade deveria ter para não ser dizimada pelo próprio avanço tecnológico. Ele escreveu o ensaio “A Chegada da Singularidade Tecnológica”.
Da montadora de Musk, Murati foi a Leap Motion, startup de realidade aumentada, em 2016. Dois anos depois, entrou na OpenAI quando o laboratório ainda era uma organização sem fins lucrativos. Chegou como vice-presidente de Parcerias e Produto e rapidamente ascendeu a CTO (principal executiva de tecnologia), em 2022.
Murati, hoje, fala em “democratizar” a IA e torná-la uma “extensão da iniciativa individual”, um discurso comum no Vale do Silício e que raramente se traduz em produtos acessíveis.
Ao mesmo tempo, o anúncio do Tinker mostra que a empresária trabalha em um projeto com mais ambição de abertura e transparência do que a atual OpenAI. Artigos publicados na página do Thinking Machines Lab mostram que ela investiu parte dos bilhões de dólares que recebeu em pesquisas para explicar o funcionamento dos modelos de linguagem, como havia dito que era necessário fazer em entrevista à revista Wired.
“Uma área em que ainda há uma lacuna importante é a transparência e educação sobre como usar inteligência artificial”, disse Murati na ocasião. “A maioria do mundo ainda não entende o que está acontecendo, esses sistemas são caixas pretas.”
O modelo de negócios da Thinking Machines, porém, ainda não está claro. Por um lado, o mercado de assistência técnica em IA para outras empresas é competitivo e, por ora, menos rentável do que o das IAs proprietárias, como o ChatGPT e o Claude. Por outro, o novo laboratório começa com a vantagem de não ter que arcar com os custos de data centers para desenvolver modelos de linguagem do zero.