Fernando Moreira: Da nulidade dos julgamentos virtuais do STJ (página 1 de 4)

O eminente criminalista e conselheiro federal da OAB, doutor Alberto Zacharias Toron, defendeu em artigo publicado na Folha de S.Paulo do dia 13 de abril p.p. que o STF não deveria julgar no plenário virtual “se 100 acusados viram réus 100 dias após ataques golpistas de 8 de janeiro”, porque, dentre outras razões, às quais subscrevemos na íntegra, independentemente do mérito do referido julgamento, em síntese, 1) “Não podemos ficar privados de conhecer os argumentos lançados no debate, sem falar no fundamento dos votos dos ministros. Tudo, até para se afastar especulações indevidas, deveria ser público e transparente como a luz do dia!”; 2) “No plenário virtual parece haver apenas uma superposição de votos, sem debate efetivo. É certo que um ministro pode ver o voto do colega e voltar atrás, mas isso não é debate”; 3) “Outro lado da questão é o verdadeiro cerceamento ao direito de defesa no poder de convencimento dos ministros. A sustentação oral se faz olhando nos olhos dos juízes, não sozinho entre quatro paredes”; 4) “Esse momento privilegiado na interlocução deixa de existir quando o advogado ‘manda’ sua sustentação oral, ou, na linguagem da internet, faz um ‘upload’ dela”; 5) “se o juiz não quer ouvir o advogado em tempo real na sessão presencial, ou mesmo na telepresencial, que funciona muito bem, por que haveria de querê-lo em casa? Quem garante que os argumentos orais da defesa serão ouvidos? Quiçá por um assessor? É uma ilusão” [1].

E essa ilusão mencionada por Toron não ocorre somente nos julgamentos no plenário virtual do STF, mas, também, ocorre em todos os julgamentos virtuais realizados no STJ pela Corte Especial, pela 1ª Seção e pelas 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Turmas desde 15 de dezembro de 2016, já que todos esses julgamentos virtuais realizados pelo STJ são comprovada e confessadamente realizados 1) de forma secreta; isto é, negando-se aos jurisdicionados e aos seus advogados “a prerrogativa de estarem presentes na realização desse ato” (RE 597.148, relator ministro Cármen Lúcia, DJe 07/02/2014) e, para piorar, 2) por órgãos jurisdicionais fictícios, já que confessadamente inexistentes na prática, ou, como disse o próprio STJ, não estão ainda implementados.

E esse modo de julgar do STJ viola os artigos 11, caput, e 194, ambos do Código de Processo Civil atual e o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal [2].

Isso porque, além de o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal prever o princípio da publicidade dos julgamentos jurisdicionais e o caput do artigo 11 do CPC estabelecer que “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”, o artigo 194 do CPC é claríssimo em determinar que “Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos”, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, “observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções”.

E a esse respeito, o CNJ já reconheceu que “O fomento ao uso dos meios eletrônicos pelo Poder Judiciário, inclusive em sessões não presenciais ou virtuais de julgamento, não pode prescindir de cautelas necessárias à adequação dessa prática às exigências constitucionais e legais”. (Consulta n° 0001473-60.2014.2.00.0000, relator Carlos Eduardo Oliveira Dias, j. 9/12/2015).

Assim, por força do artigo 194 do CPC, em todos os julgamentos virtuais devem ser garantidos aos jurisdicionados e aos respectivos advogados os direitos de acessar os meios virtuais de julgamento e deles participar desde o início até a conclusão dos julgamentos, mas esses direitos previstos no artigo 194 do CPC são sistematicamente violados pelo STJ em todos os julgamentos virtuais realizados por sua Corte Especial, por sua 1ª Seção (e muito provavelmente igualmente pela 2ª Seção) e por suas 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Turmas, desde 15 de dezembro de 2016, porque as coordenadorias desses órgãos colegiados respectivamente confirmaram por escrito 1) que “as sessões virtuais do STJ não estão disponíveis para acesso às partes. O acesso é permitido apenas aos senhores ministros. O artigo 184-B encontra-se suspenso até que a Secretaria de Tecnologia da Informação desenvolva ferramenta que possibilite o acesso às partes, a seus advogados” [3]; 2) que “Inobstante a previsão regimental, nossa plataforma ainda não contempla a possibilidade de acompanhamento externo das sessões virtuais” [4]; 3) que “o sistema de julgamento virtual desta Corte não contempla a participação das partes e advogados” [5]; 4) que “até o presente momento o sistema não está preparado para acompanhamento dos votos das sessões virtuais. O julgamento ocorre em ambiente virtual fechado para os julgadores” [6]; 5) que “o julgamento virtual no STJ é realizado numa plataforma eletrônica restrita aos ministros. Infelizmente, por incapacidade técnica, ainda não é possível o acesso às partes e seus advogados” [7]; e 6) que “Tal previsão regimental” —, qual seja, o artigo 184-B do Regimento Interno do STJ que prevê que “As sessões virtuais devem estar disponíveis para acesso às partes, a seus advogados, aos defensores públicos e aos membros do Ministério Público na página do Superior Tribunal de Justiça na internet, mediante identificação eletrônica”  “não está ainda implementada no tribunal. Não tem como acompanhar o julgamento dos processos durante os sete dias da sessão virtual” [8].

Ao assim proceder, o STJ está realizando julgamentos secretos por órgãos jurisdicionais fictícios, já que confessadamente inexistentes na prática, já que não implementados pelo STJ, e em violação aos artigos 11, caput, e 194, ambos do CPC e ao artigo 93, inciso IX, da Constituição, porque, ainda que seja possível a realização de sessão de julgamento virtual, isso não autoriza violar os deveres jurisdicionais 1) de publicidade dos julgamentos e 2) de franquear o acesso e a participação das partes e seus procuradores em todo e qualquer julgamento de processo sobre a esfera jurídica dessas pessoas, já que esses deveres estão expressamente previstos no CPC e na Constituição!

Ora, numa concepção civilizada, democrática e constitucional de processo, aqueles que sofrerão as consequências diretas do julgamento devem ter a oportunidade de acessar o julgamento e dele participar desde o início até a conclusão do julgamento e, nos termos claríssimos do artigo 194 do CPC, as sessões de julgamento podem até não ser presenciais, mas obrigatoriamente têm que ser públicas para as partes envolvidas e seus advogados, por força também do caput do artigo 11 do CPC e do artigo 93, inciso IX, da Constituição; vale dizer, é legalmente indispensável, “sob pena de nulidade”, como diz o caput do artigo 11 do CPC, que todas as sessões virtuais de julgamento jurisdicional possam ser acompanhadas pelas partes e seus advogados por meio eletrônico (i.e., pela internet), desde a abertura da sessão de julgamento, passando pela prolação dos votos dos ministros e até a proclamação final do resultado e não “Só no dia do término [..] que sai a fase com o resultado do julgamento” [9].

Fernando Mil Homens Moreira é doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo, pesquisador visitante nas universidades Harvard e Yale, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Università degli Studi di Milano (Statale), em Milão, graduado em Direito pela Universidade de São Paulo, ex-assessor de ministra do STJ, de ministro do STF e da Presidência do STF e advogado em Brasília.

Consultor Júridico

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