Não há quem duvide da boa-vontade dos congressistas brasileiros ao aprovar o inciso VIII do artigo 144 da Lei nº 13.105/2015, o Código de Processo Civil, que prevê o impedimento do juiz em processos em que figure como parte cliente de escritório de advocacia de seu “cônjuge, companheiro ou parente” — mesmo quando a causa que julga é movida por advogado de outra banca.
Há uma finalidade moralizadora na norma, que visa garantir um tratamento isonômico e imparcial a todos os polos do processo. O problema, aí, é de ordem concreta: como o magistrado descobrirá que a parte é contratante de algum parente seu — “consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau” — se a informação não consta do processo?
A intenção dos deputados federais e senadores, decerto, foi das melhores; entretanto, a proposta mostra-se inexequível na prática, simplesmente porque não se pode exigir dos litigantes que compartilhem, nas petições — para que o magistrado procure ali um cunhado —, a lista de seus advogados. Da mesma forma, não se pode requisitar aos advogados o seu rol de clientes (de modo que, nele, quem sabe, o juiz vislumbre um tio ou primo).
Percebe-se, no caso, uma situação clássica de obrigação impossível (ou sem as ferramentas necessárias para cumprimento nesse momento), pois, para executá-la, o magistrado depende de manifestações de terceiros — os quais, por sua vez, não devem ser compelidos a revelar dados de outrem.
O que tem ocorrido, na realidade, são episódios de ataques a magistrados por decisões proferidas, em que passam a ser vítimas de constrangimentos — por parte de jurisdicionados descontentes —, em razão de informações de que não dispunham de antemão.
Esse quadro suscita consequências graves, visto que, sem saber, e sem que ninguém o aponte antes ou a posteriori, alguns magistrados, desde que o referido diploma legal entrou em vigor, provavelmente têm sido empurrados a descumprir a regra — e sequer se dão conta de que incorrem nesse descumprimento (o que prova a impraticabilidade do dispositivo).
Não é justo, nem legítimo, nem razoável, nem proporcional, que uma conduta impossível de ser observada (pela inexistência de mecanismos de informação) possa configurar infração disciplinar. Afinal, sozinho e por meios próprios, o magistrado não é capaz de verificar, no corpo dos processos, se está impedido por força do inciso VIII do artigo 144 do Código de Processo Civil.
A questão está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.953, que foi movida pela AMB, sem que tenha sido concluído o julgamento. Em jogo, mais do que a adequação técnica da legislação, está a manutenção da confiança pública no Sistema de Justiça: uma lei que não pode ser efetivamente aplicada, além de inócua, mina a fé dos cidadãos no próprio Estado de Direito.