Após o julgamento do Tema n° 69, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), no qual ficou pacificado que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, a Receita Federal tentou relativizar, de diversas formas, o impacto econômico que a tese tributária causou.
Uma das tentativas de relativização do impacto econômico apresentada pela Receita foi de que o ICMS também deveria ser excluído do cálculo de créditos do PIS e da Cofins.
Após a tentativa da Receita, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional elaborou o Parecer Sei n° 14.483/2021/ME, em que externou o entendimento jurídico sobre a decisão do STF, entendendo que “a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, tal como definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema nº 69, não autoriza a extensão à apuração dos créditos dessas contribuições”.
Acertadamente, a PGFN deixou claro que, no julgamento do RE 574.706, não foi abordada “a sistemática de creditamento do PIS e da Cofins cobrados no regime não cumulativo, e nem poderiam tê-lo feito, uma vez que a matéria não foi discutida no feito”.
A tentativa da Receita não tinha fundamento legal e nem embasamento jurisprudencial, já que “não consta do julgado nenhuma alteração ou referência quanto à sistemática da não cumulatividade do PIS e Cofins, que possuem regramento infraconstitucional próprio, não tangenciado nas razões de decidir da Suprema Corte no julgamento do Tema nº 69”.
Portanto, até a entrada em vigor da Lei n° 14.592/23, não existe autorização legal para fins de exclusão do ICMS na apuração dos créditos do PIS e da Cofins.
Com a Medida Provisória n° 1.159/23, o Governo determinou a exclusão do ICMS na apuração de créditos do PIS e da Cofins. Todavia, tal medida perdeu a eficácia desde a sua edição, pois não foi convertida em lei.
Ou seja, o ICMS deveria ser computado na apuração de créditos de PIS e Cofins, pois as Leis n°s 10.637/02 e 10.833/03, em nenhum momento previam que esses valores não geravam crédito.
Em 30 de maio de 2023, foi publicada a Lei n° 14.592/2023, fruto de conversão da Medida Provisória n° 1.147, de 2022, que alterou as Leis n°s 10.637/02 e 10.833/03, passando, as mencionadas leis, a terem a seguinte redação em seus artigos 3°:
“§2 Não dará direito a crédito o valor:
III – do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição. (Incluído pela Lei nº 14.592, de 2023).”
A partir de 30 de maio de 2023 o ICMS não deve ser computado na base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins. Antes desta data, os contribuintes não tinham nenhum óbice para computar o valor do ICMS ao apurar os créditos do PIS e da Cofins, conforme se expôs.
A partir desta data, os contribuintes, para incluírem o ICMS na base de cálculo dos créditos do PIS e Cofins, devem buscar medidas judiciais, pois a inserção do dispositivo que alterou o §2° das Leis n°s 10.637/02 e 10.833/03, promovida pela Lei n° 14.592/23, não tem pertinência com o teor da mencionada lei, já que ela foi objeto de conversão de uma outra medida provisória. Conforme já julgado pelo STF, tal situação é denominada de “contrabando legislativo” e é inconstitucional. Ou seja, houve vício no processo legislativo.
Para que o Congresso estipule, por meio de lei, que o ICMS não deve ser computado na apuração de créditos do PIS e da Cofins, deverá haver lei própria sobre a questão, com ambiente deliberativo próprio ao rito dos trabalhos legislativos, e não inserir um “jabuti” (matéria estranha a medida provisória submetida à conversão) na lei.
Portanto, antes de 30 de maio de 2023, não há amparo legal para que os contribuintes não considerem o ICMS na base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins; posteriormente a esta data, há previsão legal, mesmo que eivada de vício procedimental, que determina tal exclusão, ou seja, como a norma está em vigor, os contribuintes devem respeitá-la e buscar um amparo judicial para ter segurança jurídica para desconsiderar esta norma.
Cabe destacar que, conforme entendeu a PGFN, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, julgado no RE 574.706, não leva ao raciocínio da impossibilidade de computar o ICMS no cálculo de créditos do PIS e da Cofins, isso porque o método de apuração do PIS e da Cofins é o chamado método subtrativo indireto. Existe uma clara diferença metodológica entre a regra da não cumulação aplicada ao IPI e ao ICMS — método crédito do imposto — e a aplicada ao PIS e à Cofins — método subtrativo indireto.
Pelo método crédito do imposto, o montante a ser descontado do imposto devido em cada operação consiste exatamente no imposto que incidiu na etapa anterior (daí a alcunha que recebe de imposto contra imposto).
No caso do IPI e do ICMS, o imposto a ser lançado como crédito é exatamente aquele destacado na nota fiscal, e que, ao final, será lançado para ser confrontado com os débitos existentes no período. Deste encontro de contas, surgirá o valor a pagar (caso o saldo seja devedor), ou o valor do crédito a ser transportado para o período de apuração seguinte (caso o saldo seja credor).
Mas esta metodologia não se aplica ao PIS e à Cofins no regime não cumulativo. Afinal, pelo método subtrativo indireto, não se leva em consideração a carga tributária da cadeia anterior, mas sim certas bases de débitos e créditos (daí ser chamado popularmente de base contra base); tais bases estão previstas nos artigos 2° e 3° das Leis n°s 10.637/02 e 10.833/03, tendo sido alterada, conforme exposto, pela Lei n°14.592/23.
Este método é operacionalizado da seguinte forma: a legislação prevê certas bases sobre as quais se aplica uma alíquota para o cálculo do crédito e certas bases sobre as quais se aplica uma alíquota para o cálculo do débito.
Portanto, o julgamento do STF não tem o condão de alterar a legislação que nem foi objeto de julgamento, mantendo-se tudo que não foi julgado como previsto na legislação de regência.
André Freitas é sócio administrador no escritório Martins Freitas Advogados Associados.