A subtração de provas é uma tática incompatível com o processo legal. Assim sendo, se um elemento probatório é produzido, ele deve ser ofertado à defesa por força do direito de informação e, principalmente, do direito de lealdade. Com base nesse entendimento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu a dois réus a possibilidade de acessar, em juízo, dados bancários obtidos por quebra de sigilos.
A defesa dos investigados apelou ao STF após a 23ª Vara Federal de Curitiba determinar que, por causa do tamanho dos documentos obtidos, os dados bancários ficariam disponíveis para acesso apenas em delegacia da Polícia Federal.
Os réus são investigados pela suposta prática de lavagem de dinheiro e organização criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas. Consta nos autos que nas buscas e apreensões foram encontrados documentos indicando que familiares dos réus, em associação com comparsas, deram continuidade às atividades ilícitas, traficando cocaína. Dessa forma, foram autorizadas a interceptação telefônica e a quebra de sigilo bancário e fiscal do grupo.
Nos argumentos apresentados ao STF, a defesa destacou que uma reclamação semelhante de corréus na mesma ação penal foi julgada procedente pela corte.
Ao longo do andamento do processo, a defesa dos dois réus descobriu que diversos procedimentos mencionados nos documentos de acusação e na decisão de admissibilidade tramitavam em segredo de Justiça e, por isso, não era possível o acesso à íntegra da investigação.
Cumprida a determinação de quebra de sigilos telefônico e bancário, a Polícia Federal enviou aos réus apenas relatórios elaborados pelos próprios investigadores, sem detalhar informações financeiras e fiscais. A defesa, então, questionou a medida na 23ª Vara Federal de Curitiba, que alegou que, por causa do volume dos arquivos, foi dispensada a remessa de anexos físicos ao juízo, ficando autorizada apenas a consulta na PF.
Ao STF, a defesa alegou que o material físico para consulta e confronto de dados deve ficar disponível para seu acesso, e não apenas o relatório.
Na decisão, o ministro Gilmar Mendes destacou que a Súmula Vinculante 14 do STF diz que é direito do defensor, no interesse do representado, “ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
“Entretanto, a justificativa de impossibilidade técnica não pode prevalecer, tendo em vista que a Súmula Vinculante nº 14 confere ao defensor do investigado amplo acesso aos elementos, desde que não estejam pendentes diligências que possam prejudicar o andamento das investigações. Até porque, a prevalecer a orientação, alguém poderia ser condenado com suporte em prova não entranhada nos autos”, afirmou o ministro.
Gilmar destacou também que possíveis atos de desconformidade por parte das autoridades policiais podem contaminar, e até mesmo anular, a validade das ações judiciais. “De modo direto, o dever de conformidade é inerente ao exercício de função pública, motivo pelo qual no processo penal as táticas de flood, dissimulação, restrição de senhas, de softwares, fatiamento ou parcialidade probatória, juntada de material excedente (spam), enfim, táticas diversionistas de orientação militar que, verificadas no ambiente democrático, podem gerar a nulidade.”
Atuou na defesa dos réus o advogado Rafael Soares, da banca Bittar Advogados Associados.
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Rcl 56.510