A partir da versão 2.3 do Sistema PJe-JT (Processo Judicial Eletrônico na Justiça do Trabalho), disponibilizada pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), chamada de “Jacarandá”, surgiram os chips [1], organizados por inteligência artificial, e que relacionam atividades temáticas passíveis de filtragem.
Segundo consolidado pelo próprio CSJT, chips “consistem em mecanismos para exibir ao usuário a situação do processo, com títulos pré-definidos, indicando próximos atos para resolver determinadas pendências. Atualmente essa indicação é demonstrada pelo fluxo processual” [2].
Pois bem. Um dos chips institucionalizados e indexados pela Justiça do Trabalho é o chip Trabalho Infantil/Idoso.
Reputava inaceitável essa junção de temas.
Isso porque, quanto ao trabalho da pessoa idosa, este é estimulado pela Constituição da República.
Há muitos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) já definiu que os direitos sociais, embora não clausulados de pétreos, são pétreos — eles são implicitamente pétreos, porque compõem a segunda dimensão dos direitos fundamentais [3] e, portanto, estão acobertados pelo manto da petreicidade [4] contida no artigo 60, § 4º, IV, da Constituição da República.
O direito ao trabalho é um direito social, previsto no artigo 6º da Constituição da República — portanto, pétreo e de aplicação imediata (artigo 5º, § 1º, da Constituição da República), não passível — pela própria jurisprudência do STF — de limitação ou redução em seu sentido e alcance.
Nesse sentido, cabe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à pessoa idosa a sua participação na comunidade, inclusive por meio do trabalho (artigo 230, caput, da Constituição da República).
Em mesmo sentido, o artigo 3º, caput, do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003) prevê, expressamente, a obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito ao trabalho.
A indexação do trabalho da pessoa idosa, em chip, serve a inúmeros propósitos, como o de fazer cumprir o artigo 71 do Estatuto da Pessoa Idosa, que assegura prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a sessenta) anos, em qualquer instância.
Porém, de outra banda, o trabalho infantil é amplamente repudiado pelo nosso ordenamento jusconstitucional e, ainda, pela comunidade internacional.
A Constituição da República, no artigo 7º, XXXIII, impõe a completa proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.
Inclusive, é de se destacar que o Poder Constituinte Originário estabeleceu a proibição de qualquer trabalho a menores de 14 anos, idade elevada a dezesseis anos pelo Poder Constituinte Derivado, através da Emenda Constitucional nº 20/1998.
O STF reconheceu a constitucionalidade da elevação da idade mínima para o trabalho, pela observância dos compromissos firmados pelo Brasil no plano internacional — Convenção sobre os Direitos da Criança [5] e Convenções 138 [6] e 182 [7] da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Meta 8.7 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), além da necessidade de respeito aos postulados que informam a doutrina da proteção integral (artigo 227 da Constituição da República) [8].
O repúdio da comunidade internacional é tamanho, ao trabalho infantil, que a OIT reconheceu, no artigo 2º, “c”, da Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, o compromisso derivado do simples fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa-fé e de conformidade com a Constituição da OIT, a efetiva abolição do trabalho infantil.
Tal declaração torna o propósito de efetiva abolição do trabalho infantil uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens), sendo aceita e reconhecida pela comunidade internacional como uma norma da qual nenhuma derrogação é permitida (artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969) [9].
Portanto, além de gerar sérios prejuízos estatísticos, para fins de aferição de um trabalho constitucionalmente protegido (pessoa idosa) de outro amplamente repudiado (infantil), havia, na minha compreensão, a possibilidade de se conter uma terrível mensagem implícita na junção sistêmica de tais assuntos, em uma única indexação em chip, de normalização do trabalho infantil.
Assim, ponderei diretamente ao CSJT, tomado a termo no Processo Administrativo nº 6002855/2023-00, sendo minha sugestão prontamente acolhida pela corte, sendo os autos administrativos já encaminhados à Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação (Setic) da corte para as providências pertinentes, com a demanda devidamente priorizada.
Vê-se, do rápido atendimento e da sensibilidade, que o CSJT, como órgão central do sistema administrativo da Justiça do Trabalho (artigo 111-A, § 2º, II, da Constituição da República), vem cumprindo o seu mister de, dentro do seu espectro de competência constitucional — que é primária, extraível diretamente da Constituição da República —, promover e fazer justiça social.
Igor de Oliveira Zwicker é doutor em Direito pela UFPA (Universidade Federal do Pará), mestre em Direitos Fundamentais pela Unama (PA), especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UCAM (RJ) e em Gestão de Serviços Públicos pela Unama (PA).