Igor Zwicker: Grupo econômico na execução trabalhista

Já publiquei, nesta mesma ConJur [1], sobre a questão do grupo econômico, na execução trabalhista, e o que estaria em jogo na nossa democracia.

De lá para cá, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu expressamente, em juízo de admissibilidade, a repercussão geral da matéria — sobre a possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento —, conforme Tema nº 1.232 da Repercussão Geral [2].

Ainda neste ínterim, o ministro relator, Dias Toffoli, com fundamento no artigo 1.035, §5º, do Código de Processo Civil (CPC) [3], determinou a suspensão nacional de todas as execuções trabalhistas que versem sobre a questão controvertida no Tema nº 1.232, até o julgamento definitivo do Recurso Extraordinário nº 1.387.795.

Pois bem.

Como sabemos, a grande celeuma reside na aplicação, no processo judiciário do trabalho, do artigo 513, §5º, do CPC, para o qual “[o] cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”.

Eu, particularmente, reputo tal artigo inaplicável ao processo judiciário do trabalho, por inúmeros fundamentos — nesse sentido, reporto a leitora e o leitor ao meu outro artigo publicado na Revista Consultor Jurídico —, mas, em suma, tenho que a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), da leitura conjunta dos arts. 769 e 889, estabelece como fonte primária à execução trabalhista não o CPC, mas a Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980), cujo artigo 4º, inciso V, permite que a execução fiscal seja promovida, diretamente, em face do devedor ou do responsável, nos termos da lei.

Quanto aos “termos da lei”, o artigo 2º, § 2º, da CLT reconhece a responsabilidade solidária do grupo econômico — vertical ou horizontal — pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.

Porém, meu entendimento — ao menos por ora, até que a repercussão geral seja decidida, no mérito, pelo STF — conflita com a decisão do relator, ministro Dias Toffoli, que determinou a suspensão nacional do processamento de todas as execuções trabalhistas que versem sobre a questão controvertida.

Ou seja, em termos práticos, meu entendimento resultaria em suspensão da execução e, portanto, admoestaria o direito fundamental à razoável duração do processo e meios que lhe garantam a devida celeridade, o direito da parte de obter em prazo razoável a atividade satisfativa e o dever do Juízo de cooperar para que se obtenha em tempo razoável decisão efetiva e de dirigir o processo velando pela sua razoável duração (artigos 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República e 1º, 4º, 6º e 139, inciso II, do CPC).

Porém, há uma solução viável e que permite, inclusive, a continuidade da execução trabalhista, sem que incida sobre o processo a decisão da suspensão nacional.

É indene de dúvidas que se aplica ao processo judiciário do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), previsto nos artigos 133 a 137 do CPC, porque assim prevê, expressamente, o artigo 855-A da CLT.

Assim, sendo possível a instauração do IDPJ em todas as fases do processo judiciário do trabalho, inclusive na execução, fundada em título executivo judicial ou extrajudicial (artigo 134, “caput”, do CPC), e mesmo na hipótese de desconsideração inversa ou invertida (artigo 133, §2º, do CPC), o Juízo, velando pela razoável duração do processo (artigo 139, inciso II, do CPC), deve determinar a instauração do incidente, em face do sócio ou da pessoa jurídica, que será citado(a) para se manifestar e requerer as provas cabíveis, sob pena de preclusão (artigo 135 do CPC), e ficando desde a citação advertido(a), na forma dos artigos 844 da CLT e 344 do CPC, de que, à falta de contestação, será considerada revel, presumindo-se verdadeiras as alegações de fato formuladas pela parte contrária [4].

Provado o grupo econômico, sequer há a necessidade de prova de abuso da personalidade jurídica (artigo 50 do Código Civil), seja porque o artigo 8º, §1º, da CLT abraça a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 28, §5º, do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza a desconsideração pelo mero inadimplemento das obrigações decorrentes da relação de emprego, seja porque, na forma do artigo 2º, §2º, da CLT, a responsabilidade do grupo econômico é solidária.

Nesse sentido, a instauração do IDPJ é alternativa intermediária entre a possibilidade de inclusão direta de pessoa componente de grupo econômico ou de sua total impossibilidade, na execução trabalhista (sem que tenha participado da fase de conhecimento), e, segundo o STF, não contraria a decisão do ministro Dias Toffoli, senão vejamos.

Na recém-publicada (30/6/2023) decisão na Reclamação nº 60.649 [5], o STF entendeu que houve a responsabilização de integrante de grupo econômico após o prévio ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 134 e seguintes do CPC, situação diversa da tratada no Tema nº 1.232.

Outrossim, em outra recém-publicada decisão (7/7/2023), proferida na Reclamação nº 60.690 [6], o STF decidiu que a decisão reclamada não trata da hipótese do Tema nº 1.232, mas sim de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, “instituto totalmente diverso”, que não é abrangido pela decisão do STF (inclusive, neste caso, tratou-se do processamento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica inversa).

No mesmo sentido acima foram as decisões, em mesmo sentido, tomadas nas Reclamações nºs 60.487 [[7]] e 60.263 [[8]], entre outras. Veja-se que todas as reclamações aqui citadas foram proferidas por um ministro ou ministra diferente, o que demonstra que as decisões em reclamações, embora sejam, no geral, monocráticas, não são isoladas.

Porém, veja-se que interessante.

A mesma ministra Cármen Lúcia, que aplicou o “distinguishing” na Reclamação nº 60.690 e indeferiu a suspensão da execução trabalhista, tomou decisão diametralmente oposta, recém-publicada (11/7/2023), na Reclamação nº 60.720 [9].

E qual o por quê?

Da análise do processo trabalhista [10], verifica-se que o Juízo Trabalhista, a partir de consulta feita através do Programa Infojud [11], e sem instaurar o IDPJ, declarou, por simples decisão interlocutória, a existência de grupo econômico e determinou a inclusão, naquela execução trabalhista, de 38 empresas que não haviam participado da fase de conhecimento, inclusive, com a concessão de tutela de urgência para determinar o imediato arresto cautelar de bens das empresas ora incluídas no polo passivo.

Por força dessa decisão, a ministra Cármen Lúcia consignou que “[o] processo na origem veicula controvérsia sobre a possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento, mesma matéria cuidada no Recurso Extraordinário nº 1.387.795-RG, Tema 1.232”, e que, “[e]m reclamações análogas à presente, os ministros deste Supremo Tribunal têm deferido a suspensão do andamento dos processos”, para, ao final, julgar a reclamação “parcialmente procedente (…) para cassar a decisão prolatada (…) e determinar seja a ação suspensa até decisão de mérito a ser proferida no Recurso Extraordinário nº 1.387.795-RG, Tema 1.232, ressalvada eventual necessidade de produção antecipada de provas para evitar perecimento de direito”.

Assim, em conclusão, é recomendável que o Juízo Trabalhista, sempre que houver pedido — ou mesmo na atuação de ofício, se for o caso de parte no exercício da faculdade do “jus postulandi”, na forma do artigo 878 da CLT —, de redirecionamento da execução trabalhista, em razão de grupo econômico, a pessoa natural ou jurídica que não tenha participado da fase de conhecimento, em vez de (in)deferir de plano ou mesmo suspender a execução, por força do Tema nº 1.232 da Repercussão Geral, faça o devido “distinguishing” e determine a prévia instauração de IDPJ, com a citação do(a) requerido(a) para se manifestar e requerer as provas cabíveis, para somente então decidir, ao final, proferindo decisão interlocutória fundamentada, para acolher ou rejeitar o incidente (artigo 855-A, §1º, da CLT).

Igor de Oliveira Zwicker é doutor em Direito pela UFPA (Universidade Federal do Pará), mestre em Direitos Fundamentais pela Unama (PA), especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UCAM (RJ) e em Gestão de Serviços Públicos pela Unama (PA).

Consultor Júridico

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