O impacto que o crime de contrabando de cigarro tem na saúde e segurança públicas pode fazer o Superior Tribunal de Justiça negar a possibilidade de aplicar o princípio da insignificância mesmo para os casos em que a apreensão da mercadoria for ínfima.
O tema está em julgamento na 3ª Seção da corte, sob o rito dos recursos repetitivos. Nesta quarta-feira (12/4), o relator, ministro Joel Ilan Paciornik, propôs tese afastando a possibilidade de considerar a conduta insignificante. Pediu vista o ministro Sebastião Reis Júnior.
O julgamento trata de um crime muito recorrente no país e fortemente combatido pela Polícia Federal. Só em 2023, a corporação fez ações para enfrentar esse tipo de contrabando em ao menos nove estados (MA, MG, GO, RS, CE, RN, SP, SC e PR).
A conduta está descrita no artigo 334-A, inciso II, do Código Penal. Comete o contrabando quem importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente.
No STJ, a 5ª e a 6ª Turmas têm precedentes afastando a aplicação da insignificância ao contrabando de cigarros. O ministro Paciornik sugeriu confirmar essa orientação, apesar de manifestações em sentido oposto até do Ministério Público Federal.
A subprocuradora da República Ana Borges Coelho Santos ressaltou na sua manifestação que dois terços das autuações por contrabando de cigarros envolvem a apreensão de menos de mil maços do produto, e que esse volume corresponde a apenas 0,55% dos cigarros contrabandeados apreendidos no país.
Ou seja, a Polícia Federal, o MP e o Judiciário estão investindo tempo e recursos para investigar, processar e condenar pessoas que contrabandearam quantidades diminutas do produto, enquanto os grandes contrabandistas têm passado ao largo. Ela defendeu à 3ª Seção a possibilidade de considerar a conduta insignificante quando a apreensão for de até mil maços de cigarro.
Pela Defensoria Pública da União, Heverton Silva seguiu linha parecida: ele pediu para admitir o uso da insignificância e suscitou a existência de conflito entre o crime de contrabando e o descaminho, cuja jurisprudência admite que ele não seja processado quando o prejuízo fiscal não alcançar a marca de R$ 20 mil.
No entanto, o ministro Paciornik apontou em seu voto que o crime de contrabando de cigarros ofende inequivocamente a saúde publica e também a segurança pública, motivo suficiente para afastar a insignificância da conduta.
Sob o viés da segurança, qualquer tipo de apreensão, mesmo que pequena, não descarta que tenha envolvido atuação prévia e cíclica de organizações criminosas, segundo ele. “A produção de cigarros no exterior voltada para abastecer o mercado brasileiro e o uso de rotas adotadas pelo tráfico de drogas e armas são notórios.”
Sob o prisma da saúde pública, não respeitar a lei levará ao maior consumo de cigarros contrabandeados e ao aumento do tabagismo, doença que gera outras enfermidades e serve para elevar os custos de manutenção do sistema público de saúde e da saúde complementar.
“Forçoso concluir que, para além do critério pragmático de política criminal, o volume das apreensões é circunstancia irrelevante para adequação típica material em questão. Não há de se conceber insignificância nas ofensas à segurança publica e à saúde publica, sequer na exposição de risco de uma única vida”, resumiu o relator.
A tese proposta foi a seguinte:
“O princípio da insignificância não se aplica aos crimes de contrabando de cigarro, por menor que possa ter sido resultado da lesão patrimonial, pois a conduta atinge outros bens jurídicos como a saúde, a segurança e moralidade públicas”.
REsp 1.971.993
REsp 1.977.652