A declaração de constitucionalidade da regra do Código de Processo Civil que trata da atuação do juiz nas causas em que uma das partes for cliente de escritório de advocacia integrado por seu parente pode abrir as portas para transformar o impedimento como estratégia, definindo quem serão os julgadores do processo.
É o que alerta o ministro Gilmar Mendes em voto-vista em que propôs a inconstitucionalidade do artigo 144, inciso VIII, do CPC. O tema está em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Relator, o ministro Luiz Edson Fachin votou pela constitucionalidade do dispositivo e foi acompanhado com ressalvas pelo ministro Luís Roberto Barroso. Abriu a divergência o ministro Gilmar Mendes. O caso foi interrompido por novo pedido de vista, feito pelo ministro Luiz Fux.
A norma em discussão foi inserida no CPC de 2015 para prever o impedimento do juiz “no processo em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório”.
Assim, o juiz estaria impedido de atuar não apenas nas causas em que seus parentes estejam atuando direta ou indiretamente, mas também em quaisquer processos cujas partes tenham como cliente essas bancas de advocacia.
Em um exemplo hipotético, um juiz teria de declarar seu impedimento em uma causa empresarial porque a parte autora da ação é defendida por um escritório de um parente seu em ações trabalhistas.
Para o relator, Edson Fachin, a norma é razoável e plenamente aplicável porque o mesmo CPC impõe às partes o dever de cooperarem para a prestação da justiça íntegra, imparcial e independente.
Barroso concordou, mas propôs algumas limitações. A causa de impedimento só deve valer quando o magistrado sabe ou deveria saber que a parte é defendida pela banca de advocacia integrada por seu parente. E não deve valer em ações de ações de controle concentrado de constitucionalidade e na hipótese de fixação e votação da tese constitucional.
Onda de impedimentos
Em voto divergente, Gilmar Mendes defendeu que a norma é inconstitucional por violar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como o princípio do juiz natural. E as consequências são graves, transformando-a em estratégia para manipular a distribuição e o julgamento dos processos.
Primeiro porque sua aplicação prática é inviável. Caberia ao juiz investigar se a parte na ação é representada por algum escritório integrado por parente seu em alguma outra ação, em um cenário em que contratos advocatícios são privados, secretos ou mesmo firmados com objetos outros que não sejam postular em juízo.
“O fato é que a lei simplesmente previu a causa de impedimento, sem dar ao juiz o poder ou os meios para pesquisar a carteira de clientes do escritório de seu familiar, o que demonstra a ofensa ao princípio da proporcionalidade”, resumiu o ministro.
Mais grave que isso é o fato de isso conferir à parte o controle da distribuição e julgamento dos processos. Bastará a elas contratar determinadas bancas de advocacia, mesmo que em ações totalmente diversas, para obter o impedimento de um ou outro magistrado nas ações em que realmente tiverem interesse.
Esse efeito é particularmente problemático nos tribunais superiores, em que há limitação de magistrados e, em algumas situações, exigência de quórum específico para votação. “Nesse prisma de ideias, a interpretação da norma em análise deve ser realizada com cautela, de modo a evitar uma ‘onda’ de impedimentos generalizados no país”, disse Gilmar.
Em sua análise, uma cláusula aberta e excessivamente abrangente, como a do inciso VIII, segundo a qual basta que a parte seja cliente do escritório para afastar o magistrado, não é o melhor remédio para o combater o problema do impedimento.
“Em verdade, isso pode causar o nefasto efeito contrário de aplicação induzida da regra de impedimento pela parte, o que fere, de plano, o princípio do juiz natural, bem como a razoabilidade e a proporcionalidade”, concluiu.
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ADI 5.953