A Lei nº 14.133/2021, nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, padronizou em três dias úteis o prazo de recursos para situações comuns do dia a dia das licitações e aumentou para 15 dias úteis o prazo de recurso contra sanções aplicadas a licitantes e contratados.
Inobstante esses aspectos festejados, a lei possui incongruências com potencial de causar litígios administrativos e judiciais que poderiam ser evitados.
Entretanto, antes de adentrar nas considerações mais detalhadas, cabem breves e simples notas sobre a redação do artigo 71 da lei:
“Artigo 71. Encerradas as fases de julgamento e habilitação, e exauridos os recursos administrativos, o processo licitatório será encaminhado à autoridade superior, que poderá:
I – determinar o retorno dos autos para saneamento de irregularidades;
II – revogar a licitação por motivo de conveniência e oportunidade;
III – proceder à anulação da licitação, de ofício ou mediante provocação de terceiros, sempre que presente ilegalidade insanável;
IV – adjudicar o objeto e homologar a licitação.”
Máxima vênia, havendo recurso pendente decisão em segundo grau de jurisdição administrativa, não seria caso de encaminhar o processo (os autos) à autoridade superior após “exauridos os recursos administrativos”, uma vez que exaurida seria a “instância” anterior, na qual ocorre ou não reconsideração.
No caso, para a hipótese de não ter havido reconsideração pela autoridade de origem, o artigo 71 precisaria listar a competência da autoridade superior para “julgar” os recursos pendentes de decisão, algo ligado ao princípio da segregação das funções.
Mas essas breves notas não se comparam ao que se tem adiante detalhado.
Primeiramente, cabe observar a diferença de redação da lei antiga para a nova, no aspecto de acesso aos autos do processo:
“Lei nº 8.666/93
(…)
Artigo 109…
(…)
§5º Nenhum prazo de recurso, representação ou pedido de reconsideração se inicia ou corre sem que os autos do processo estejam com vista franqueada ao interessado.”
“Lei nº 14.133/2021
(…)
Artigo 165…
(…)
§5º Será assegurado ao licitante vista dos elementos indispensáveis à defesa de seus interesses.”
Nota-se que a lei anterior era técnica e precisa nos termos, inclusive sobre bloqueio à contagem de prazo se o interessado não tivesse vista dos “autos do processo”, enquanto a nova lei, máxima vênia, sem técnica e precisão, não mais tratou desse aspecto tão relevante e, ainda, limitou garantias fundamentais de ampla defesa e contraditório, do inciso LV do artigo 5º da Constituição, com menção subjetiva à vista seletiva do que denominou de elementos “indispensáveis” à defesa.
Pode-se imaginar a teratologia jurídica de um juiz usar de seletividade e abrir para a parte apenas alguns elementos que ele considerasse “indispensáveis” para a parte interpor recurso.
Isso é inadmissível, pois a base de contraditório e ampla defesa é que as provas já devem estar nos autos do processo e, depois, a vista ocorre dos “autos do processo”, não de alguns “elementos” dele.
Não é sem relevância a questão, porque muitas das situações que se evidenciam em recurso podem ser desdobramentos, por exemplo, de direcionamento que nasceu, de forma restrita, nos documentos da etapa de planeamento da licitação, sendo que determinado parecer ou outro documento pelo curso do processo também pode ser relevante para o recurso, como também os e-mails trocados, manifestações técnicas e outros documentos dos autos.
Nem é lícito abrir um minuto sequer de prazo recursal em sistema de licitações ou de contratos sem que os autos já estejam, prontamente, abertos à parte interessada, a exemplo do que ocorre com os processos judiciais.
Não se pode admitir um prazo correndo em sistema e parte ainda requerendo cópia ou acesso a processo eletrônico em sistema como o SEI ou similar, sendo isso uma evidente supressão de tempo precioso para estudo processual e elaboração das razões de recurso.
Assim, a nova lei, com a seletividade de acesso a elementos “indispensáveis” (termo subjetivo), criou limitador não compatível com as garantias constitucionais de contraditório e ampla defesa.
Prosseguindo, tem-se a segunda teratologia jurídica da nova lei, quando ela estabelece em seu artigo 165, inciso I, alínea “e”, prazo de recurso de apenas três dias úteis para “extinção do contrato, quando determinada por ato unilateral e escrito da Administração”, ao passo que nos seus artigos 166 e 167 estabelece prazo de recurso de 15 dias úteis para sanções de advertência, multa e impedimento de licitar e contratar e, respectivamente, declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.
Isso é uma incongruência, pois na grande maioria dos casos de extinção de contrato por ato unilateral da Administração se tem desdobramentos nas sanções, de modo que fatos e direito estão relacionados em sua essência, nas duas situações.
Assim, a parte se apressa em um curto prazo de recurso contra fim de sem contrato, em apenas três dias, incorrendo em alta chance de apresentar algo incompleto ou com menos argumentos e isso lhe complicará no que irá afirmar adiante em seu outro recurso, aquele contra a respectiva sanção. Um evidente prejuízo.
Excludentes de responsabilização, por exemplo, podem ter a capacidade de reverter, ao mesmo tempo, uma extinção de contrato e uma penalidade, o que confirma que jamais a nova lei poderia ter diferenciado os prazos de questões relacionadas em sua essência, porque nem uma eventual pressa da Administração em dar fim a contrato e firmar um outro (com outra empresa) pode justificar tamanha incongruência.
Repita-se: se fatos e direito de matéria da extinção contratual são relacionados à causa de sanção administrativa, não se se deve ter diferença de prazos de recurso, porque o tempo de analisar documentos, provas, desenvolver as razões de recurso precisa ser o mesmo, podendo se exemplificar a situação comum de haver rescisão de contrato e, em razão daquela decisão, já ser baseada a respectiva penalidade.
Assim, pela necessidade de considerar as consequências práticas de cada decisão administrativa, como determina o artigo 20 da Lindb (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), a solução para tais questões será o agente público igualar os prazos para os 15 dias, tanto para tratar da extinção do contrato como para a respectiva e indissociável sanção aplicada, conforme o caso.
Enfim, direito é congruência e o sistema de recursos da nova lei de licitações e contratos precisa dessas ponderações.
Jonas Lima é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público e Compliance Regulatório e sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia.