Janeson Vidal: Piso salarial dos professores da educação básica

Dentro da produção legislativa nacional, tão demorada para tratar de certos temas que são de estima e clamor popular ou de outros que são de urgência pública, o ano de 2008 trouxe certa justiça ao nos ofertar a Lei nº 11.738/2008, a Lei que institui o piso salarial profissional nacional para os professores do magistério público da educação básica.

A referida lei foi fruto de muitos anos de luta no Congresso, seja por parte de membros do legislativo, do executivo ou da própria classe que já tem em seu nascedouro o DNA de luta. Essa mesma luta foi reforçada por um grau de reconhecimento pela população acerca da importância do professor e da professora para a formação da sociedade e a construção de patamares de valores e crenças almejados nessa construção.

Qualquer cidadão que tenha, antes de 2008, dialogado com um professor a respeito da sua remuneração, facilmente rememora que recebiam salários bem próximos ao mínimo, o que não nos parece razoável dentro da capacidade ofertada e da necessidade que a sociedade tem deles. Diz a referida Lei no §1º do seu artigo 2º:

“Art. 2º […]

§ 1º. O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.”

Completou então com o §3º do mesmo artigo 2º dizendo que “Os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas de trabalho serão, no mínimo, proporcionais ao valor mencionado no caput deste artigo”. Nos parece por demais necessário mencionar que nós estamos aqui tratando do mínimo.

Estabelecido então, à época, o valor de R$ 950 como o menor salário de um profissional do magistério público da educação básica que trabalhasse 40 horas semanais, a lei reforçou que, da carga total, seja ela qual for, no máximo 2/3 dela deve ser em interação com os educandos, ou seja, em regra em sala de aula. Essa previsão contida no § 4 do artigo 2º da Lei também contém muita justiça, haja vista que aos profissionais do magistério há a necessidade de se inserir na comunidade mantendo bons laços com os pais dos educandos, mas também corrigir provas, elaborar aula etc., o que é trabalho fora da sala de aula.

Não obstante a justiça da oferta de um piso a essa categoria, não foram isolados os casos de judicialização pelos entes requerendo a declaração da inconstitucionalidade da Lei do piso. A ADI 4.167, por exemplo, movida pelos estados de Mato Grosso do Sul e do Paraná, serviu para que o STF reforçasse a constitucionalidade da lei do piso, mas com obrigatoriedade efetiva a partir de 2011.

No caput do artigo 5º a Lei menciona que o piso deve ser atualizado em todo mês de janeiro, tomando por base, conforme informa seu § único, o “percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007”, essa que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Os percentuais de aumento variaram durante os anos, sendo que em 2021, pela primeira vez, não houve aumento algum ao magistério no país, mas em 2022 alcançamos um valor mais alongado. A Portaria nº 67, de 04 de fevereiro de 2022, do gabinete do ministro do Ministério da Educação, homologa Parecer nº 2/2022/Chefia/GAB/SEB/SEB, que apresenta o piso nacional dos profissionais do magistério da educação básica, com seguinte texto:

“DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO

Publicado em: 07/02/2022 | Edição: 26 | Seção: 1 | Página: 65

Órgão: Ministério da Educação/Gabinete do Ministro

PORTARIA Nº 67, DE 4 DE FEVEREIRO DE 2022

O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso da atribuição que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos II e IV, da Constituição, e considerando o disposto no Processo nº 23000.002248/2022-24, resolve:

Art. 1º. Homologar o Parecer nº 2/2022/CHEFIA/GAB/SEB/SEB, de 31 de janeiro de 2022, da Secretaria de Educação Básica desta Pasta, que apresenta o piso salarial nacional dos profissionais do magistério da educação básica pública para o ano de 2022.

Art. 2º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

MILTON RIBEIRO.”

Já o referido parecer diz em seu teor:

“Ante o exposto, utilizando-se o indicador de atualização dado por meio da Lei nº 11.738/2008, o Piso Salarial Nacional dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública, para o ano de 2022, é de R$ 3.845,63 (três mil oitocentos e quarenta e cinco reais e sessenta e três centavos).

[…]

26. Com base no critério estabelecido, o valor do piso para 2022 será calculado da seguinte forma:

Piso Magistério 2022 = Piso de 2021 (R$ 2.886,24) x 1,3324 = R$ 3.845,63 33,24% = percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno (VAAF-MIN) do Fundeb de 2021 (R$ 4.462,83), em relação ao valor anual mínimo por aluno (VMNAA) do Fundeb de 2020 (R$ 3.349,56).”

Ou seja, o aumento salarial para toda a categoria em 2022 foi de 33,24%. Novamente tivemos reclamação dos entes, informes com justificativas de descumprimento e judicialização Brasil afora. Novamente o STF se manifesta informando ser constitucional a norma e a forma com que é atualizada.

Muito embora a Lei do Piso determine que a União complemente a integralização do piso aos entes que demonstrarem não ter disponibilidade orçamentária (caput do artigo 4º), desde que o ente justifique a sua incapacidade (§1º do artigo 4º), devendo, para isso, inclusive, a União oferecer cooperação técnica em planejamento e aperfeiçoamento na aplicação de recursos (§1º do artigo 4º), a preferência vista em muitos entes é a do descumprimento.

Esse descumprimento, por vezes, é albergado pelo próprio judiciário em compreensões variadas, que vão desde fiar a administração pública que informa não ter como realizar os pagamentos devidos, até o pensamento de que se o salário do(a) demandante está acima do que se estabelece como piso, assim a lei do piso estaria sendo cumprida.

Ocorre que não podemos tratar o piso como apenas o valor estabelecido pelo Ministério da Educação, seja em sua integralidade, seja proporcionalmente. O piso do magistério apenas existe se devidamente aplicado dentro da carreira do magistério.

É papel do estado preservar seus servidores públicos por serem patrimônio desse próprio estado enquanto corpo burocrático na promoção e defesa do próprio estado democrático de direito. Quando um ente tem atenção a esses aspectos, garante internamente a formação de um corpo rígido, homogêneo e independente ante eventuais clamores populistas. Assim, cabe a cada ente estabelecer diretrizes de manutenção de um quadro longevo satisfeito com a sua condição.

Por exemplo, ao garantir, um município, que qualquer dos seus servidores receba um adicional de 5% sobre o seu salário base a cada cinco anos de serviço público, está garantindo que esse servidor se veja com perspectiva servindo localmente, preservando o desejo de manutenção do vínculo, o que agrega valor a esse patrimônio.

Ao estabelecer um plano de cargos e carreira, a administração pública firma a valorização dos seus profissionais e o desejo que eles se mantenham assim, pelo tempo que for possível, haja vista ganharem novas perspectivas com o decorrer do tempo.

Em regra, os planos de cargo e carreira do magistério levam em consideração dois fatores, a qualificação profissional e o tempo, ou seja, quanto mais antigo for o profissional, maior será o seu salário base, bem como, quanto mais qualificado ele for, também haverá aumento desse salário base. Por exemplo, um(a) profissional do magistério recém-empossado e apenas com o curso superior, tendo carga de 40 horas semanais, deve receber o piso, enquanto um(a) outro(a) profissional do magistério que tenha 20 anos de serviço público e já tenha mestrado, recebe as devidas bonificações de tempo e qualificação, naturalmente com um salário razoavelmente superior ao do(a) iniciante.

O ponto é: o piso apenas é realmente piso se incluído no contexto dos planos de carreira locais, senão vira tão somente uma justificativa para o descumprimento da própria lei que lhe instituiu. Esse paradoxo não pode ser diminuído, pois não é meramente retórico, estando presente na realidade de milhares de profissionais da educação em todo o país.

Vamos nos valer de um outro exemplo para deixar mais claro como ocorre esse aumento, mas olhando para o teto do Judiciário. O maior salário do Judiciário é o de ministro do STF e, por efeito cascata, quando se oferta um aumento ao salário de um ministro, a maioria dos membros do Judiciário também recebem esse aumento, mas de forma proporcional. A seu tempo e modo, guardadas as devidas proporções, numa cascata inversa, cada vez que o piso do magistério é reajustado, os demais profissionais do magistério incluídos em planos de carreira recebem esse reajuste de progressão que, conforme dita a lei, é percentual.

Não se pode, nesse contexto, então, nem ignorar a existência de planos de carreira locais, nem confundir piso com teto, haja vista sua larga diferença.

Recentemente, com o advento da pandemia de Covid, reforçamos a importância dos profissionais do magistério público ao termos nossa rotina do lar invadida pela rotina do trabalho. Tivemos a natural necessidade de nos adaptar a uma nova sistemática em função de uma necessidade maior social de diminuição de contato pessoal em prol da contenção de uma doença avassaladora que destruiu milhões de vidas pelo mundo, sendo que dessas, mais de 700 mil vidas brasileiras.

Essa invasão da rotina do trabalho em nossos lares, já vivida eventualmente por muitos, é rotina desde sempre dos profissionais do magistério, que têm a necessidade de levar muito do seu trabalho para casa, concluindo diários e aulas em meio a afazeres domésticos ou ao próprio lazer, já sem um limite entre uma coisa e outra. Essa ausência de limite foi bastante debatida nesse período pandêmico e “graças” (se é que temos algo a agradecer) à pandemia, outro grupo de profissionais passou a ter mais atenção da sociedade, os enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares e parteiras.

Recentemente também tivemos a promulgação da Lei nº 14.434/2022, que instituiu o piso nacional para enfermeiras, técnicas de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras. Dessa vez o STF segurou sua vigência até que o Congresso Nacional resolvesse o gargalo do financiamento desse piso.

Seja no primeiro exemplo, seja no segundo, que o reconhecimento da importância do servidor como patrimônio público não resida na rigidez do gestor eventual, que passa.

Janeson Vidal de Oliveira é advogado com ênfase no direito dos servidores públicos e mestre em Planejamento e Dinâmicas Territoriais pela Uern.

Consultor Júridico

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