Juíza censura reportagens sobre alienação parental do Intercept

Sob o argumento de preservação da imagem e intimidade de uma criança — que não é citada nos textos —, a juíza Flávia Gonçalves Moraes Bruno, da 14ª Vara Cível do Rio de Janeiro, ordenou que o site The Intercept Brasil retire do ar toda a série de reportagens “Em nome dos pais”, sob pena de multa de até R$ 30 mil.

A ordem de censura deve ser cumprida em até 48 horas, inclusive por Twitter, Instagram, Facebook, Youtube e Google. A decisão é de 26 de maio.

Nas reportagens, a repórter Nayara Felizardo aponta como a aplicação da Lei de Alienação Parental (Lei 12.318/2010) por magistrados, promotores, psicólogos e assistentes sociais, em certos casos, favorece acusados de estupro ou de violência doméstica. Com isso, mulheres perdem a guarda de filhos para os ex-companheiros que elas denunciaram.

Na ação, um homem alega que o minidocumentário “Glícia Brazil: a psicóloga que faz laudos para fortalecer a defesa de acusados de abuso” — que integra a série do Intercept — exibe documentos de um processo que corre em segredo de justiça e expõe sua filha.

As reportagens não mencionam o nome das crianças. Os textos também não identificam os pais acusados de violência sexual ou doméstica — nem o do autor da ação. Isso com o objetivo de “evitar que os filhos fossem identificados de forma indireta”, segundo manifestação oficial do Intercept.

Em sua decisão, a juíza Flávia Gonçalves Moraes Bruno afirmou que é cabível a concessão de tutela antecipada, uma vez que há probabilidade do direito do autor e risco ao resultado útil do processo. Isso porque a reportagem trata da relação da ex-companheira do autor da ação com sua filha, baseada em documentos judiciais que se encontram sob segredo de justiça.

A julgadora apontou que a manutenção das reportagens no ar pode causar grande dano ao homem e, especialmente, à sua filha.

“Ademais, há de se ressaltar que a proteção constitucional do menor deverá ser realizada de forma integral, preservando assim a imagem e a intimidade do mesmo, já que se encontra na condição de pleno desenvolvimento psíquico e físico. Cabe ressaltar ainda a observância ao direito de liberdade de imprensa, de informação, havendo assim, a colisão dos direitos fundamentais, devendo o julgador sopesar acerca da valoração de tais direitos em cada caso concreto”, opinou Flávia Bruno.

Precedente perigoso

Em nota publicada no site, o editor-chefe do Intercept Brasil, Flávio VM Costa, afirma que a decisão censória da juíza Flávia Gonçalves Moraes Bruno pode ser um perigoso precedente para o jornalismo brasileiro. E informa que o veículo irá recorrer da decisão.

“O Intercept foi alvo de uma decisão judicial absurda esta semana, que ataca a liberdade de expressão e de imprensa no Brasil. Caso o entendimento adotado por essa decisão seja 100% aplicado, será impossível fazer jornalismo sério no país e abrirá um precedente extremamente perigoso, que derrubaria os mais importantes furos jornalísticos dos últimos anos. E este é provavelmente apenas o começo de uma longa batalha legal que pretendemos travar, indo até o STF se necessário.”

Costa ressalta que as reportagens da série “Em nome dos pais” preservaram a identidade das crianças e de seus familiares. O editor-chefe do Intercept também destaca que o sigilo judicial não alcança jornalistas.

“O motivo principal da censura foi o fato de a série revelar informações de documentos que estão em segredo de justiça. Embora seja ilegal para as partes envolvidas publicar essas informações, essa restrição não se aplica de forma alguma aos jornalistas que servem ao interesse público — não aos tribunais — e cuja liberdade é garantida constitucionalmente”, diz.

“A publicação de segredos judiciais é, na verdade, um elemento essencial do jornalismo, que é praticado por todos os veículos respeitáveis do país e do mundo. Sem essa liberdade fundamental, o ‘Fantástico’ teria que virar Faustão e o Intercept teria que virar mais uma coluna de fofocas. Em vez disso, baseamos nosso trabalho em evidências documentais”, declara Costa.

Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Consultor Júridico

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