Sem poupar críticas à atuação de um delegado, a juíza Marcela Raia de Sant’Anna, da 5ª Vara do Júri do Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, acolheu pedido do Ministério Público e revogou na tarde desta quarta-feira (12/7) a prisão preventiva do torcedor do Flamengo acusado de causar a morte de uma jovem palmeirense ao arremessar uma garrafa de vidro cujos estilhaços atingiram o seu pescoço.
Ao requerer a soltura do acusado, que foi autuado e teve a prisão em flagrante convertida em preventiva na audiência de custódia, o promotor Rogério Leão Zagallo reafirmou o papel institucional do MP de fiscalizar a lei e promover justiça. Segundo ele, o delegado César Saad, do Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope), afirmou em várias entrevistas que o indiciado admitiu o arremesso da garrafa, quando, na realidade, ele negou.
“Uma condenação aleatória, sem lastro fático e jurídico, a ninguém interessa, notadamente porque o real autor do delito ficará impune. Devemos, sempre, desbragadamente buscar a imposição de punição a quem dela seja merecedor, até para que sua condenação sirva de exemplo para que outras pessoas possam ser desestimuladas a enveredar pela senda do crime”, destacou Zagallo.
O flamenguista preso alegou em seu interrogatório à polícia que jogou pedras de gelo durante confusão envolvendo torcedores dos dois times, na parte externa do estádio Allianz Parque, no último domingo (9/7), onde Palmeiras e Flamengo empataram por 1 a 1 pelo Campeonato Brasileiro. Além da inexistência da confissão anunciada por Saad, Zagallo destacou que duas filmagens “evidenciam a necessidade de que a investigação prossiga”.
O autuado não aparece em nenhuma das gravações, que foram feitas por câmeras de celulares e fazem parte dos autos. No entanto, em uma delas, um homem de barba e camisa cinza-claro, do lado onde estavam os flamenguistas, arremessa uma garrafa na direção dos palmeirenses. No outro vídeo, registrado por uma segunda câmera supostamente no mesmo momento, é possível ver a vítima caída, logo após ser atingida na veia jugular por estilhaço de vidro.
“Evidentemente esse torcedor de camisa cinza assumiu o risco de matar a pessoa que recebesse o impacto de tal objeto, pelo que desde já é possível afirmar que ele agiu com dolo eventual e é autor de um crime doloso contra a vida”, concluiu o promotor. No momento da prisão, o indiciado preso vestia camisa do Flamengo. Ele não usa barba e não é possível confundi-lo com o arremessador da garrafa flagrado pela câmera.
Diante desses fatos, o promotor pediu a revogação da preventiva do autuado e o prosseguimento das investigações para identificar o torcedor de barba e camisa cinza, o qual deverá ter a sua prisão temporária requerida. Conforme Zagallo, essa custódia é necessária para possibilitar o reconhecimento pessoal do investigado e a realização de outras diligências com o objetivo de esclarecer o caso.
O promotor também pediu que as investigações fiquem a cargo do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). “Diante da postura algo estranha do delegado de polícia César Saad, que afirmou perante a imprensa uma inverdade, o departamento que ele coordena demonstrou não estar preparado para uma investigação desta envergadura e complexidade. Sua isenção e imparcialidade restaram comprometidas, infelizmente”.
A juíza Marcela Raia de Sant’Anna deferiu os dois requerimentos do representante do MP. “A pessoa que arremessou a garrafa contra os torcedores palmeirenses trata-se de um homem que possui barba, sendo, portanto, fisicamente diferente do autuado, além de vestir camisa clara, diversa da camisa do time do Flamengo que o autuado vestia quando foi preso”, observou a julgadora.
Medidas cautelares
Em contrapartida à revogação da preventiva, a magistrada impôs ao indiciado as medidas cautelares de proibição de se ausentar da comarca onde reside por mais de oito dias, sem autorização judicial, e de proibição de mudar de residência sem comunicação prévia ao juízo. No final da tarde, foi cumprido o alvará de soltura no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros IV, na Zona Oeste da Capital.
A magistrada também concordou com o promotor quanto à necessidade do aprofundamento das investigações por outro departamento policial. “Diante da lamentável, para dizer o mínimo, postura do delegado de polícia, que se mostrou açodado e despreparado para conduzir as investigações, de rigor é a remessa dos autos ao DHPP, órgão especializado e preparado para a condução de investigações desta espécie”.
Processo 1521027-57.2023.8.26.0228