Larissa Amorim: Impenhorabilidade do imóvel de alto padrão

A proteção do bem de família é um importante instituto jurídico que visa garantir o direito fundamental à moradia e a estabilidade familiar, previsto pela Constituição, em seu artigo 6º. Essa garantia consiste também na impenhorabilidade de determinado imóvel, utilizado como residência pelo núcleo familiar, frente às execuções de dívidas civis, comerciais ou fiscais.

Essa medida busca garantir que a família não seja desprovida de um lar em decorrência de mero inadimplemento contratual. No entanto, apesar de sua nobre finalidade, a proteção do bem de família suscita debates sobre seus limites e aplicabilidade, especialmente quando envolve imóveis de alto padrão e questões envolvendo fraudes ou abusos por parte do devedor.

Entretanto, os artigos 1º e 5º da Lei 8.009/1990 preveem que um imóvel que serve como residência familiar é impenhorável, não podendo ser objeto de execução para pagamento de dívidas.

“Art. 1º – O imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Art. 5º – Para os efeitos de impenhorabilidade de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.”

Observa-se que o dispositivo legal não apresenta qualquer especificação relativa às características do imóvel, o que leva à compreensão de que se exige somente que o bem seja destinado à residência própria do casal ou da entidade familiar para alcançar a impenhorabilidade.

Em relação ao texto de lei, convém mencionar o artigo 789 do Código de Processo Civil, o qual estipula que o devedor deve responder integralmente com todos os seus bens para o cumprimento da execução.

“Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.”

Todavia, logo em sequência, o artigo 832 do Código de Processo Civil estabelece que certos bens, por força da lei, são considerados impenhoráveis e inalienáveis, ficando, assim, resguardados de serem objeto de execução.

“Art. 832. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.”

A legislação estabelece o direito de proteção ao imóvel de família, mas é fundamental entender que esse direito visa resguardar o local onde está estabelecido o núcleo familiar, não o imóvel em si, pois o foco está na garantia de um lar. Então, a proteção prevista na lei tem como objetivo proteger a unidade familiar, não se atendo ao valor do imóvel em questão, pois sua relevância não é determinante para caracterizar a sua impenhorabilidade.

Embora a interpretação literal da lei não estabeleça que o valor do imóvel protegido seja um critério independente, há argumentos sustentando a necessidade de um juízo de ponderação por parte do magistrado em casos de imóveis de alto padrão.

De acordo com essa perspectiva, o ideal seria possibilitar a penhora do imóvel, garantindo que uma porcentagem seja reservada ao devedor para que ele possa adquirir outra residência compatível com sua nova situação financeira. Os defensores dessa abordagem acreditam que ela equilibraria a proteção do direito à moradia com a necessidade de satisfação da dívida, levando em conta as circunstâncias individuais do caso em questão [1].

Corroborando com essa vertente, temos a desembargadora relatora Maria Lúcia Pizzotti, que, ao proferir decisão pela 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, consignou que, diante do alto valor do bem, correta seria a manutenção da penhora, guardando-se metade do seu valor para o devedor, visando a compra de outro imóvel condizente com sua situação financeira.

“Muito embora o devedor comprove residir no imóvel cujos direitos foram penhorados, não havendo indício de que tenha outro bem disponível para constrição, a impenhorabilidade legal deve ser mitigada. Imóvel de luxo e alto padrão, cujo valor de mercado é consideravelmente superior ao valor da dívida. Penhora que deve ser mantida levando-se o imóvel à hasta pública, devendo, contudo, metade do produto alcançado ser revertida em proveito do devedor, a fim de que possa adquirir outro imóvel para albergar a si e à sua família. A outra metade deve permanecer retida nos autos para fins de quitação do débito perseguido”.

Em recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) [2], a decisão da relatora foi derrubada, afirmando a Corte Superior que o decidido no tribunal de origem divergiu da sua pacífica jurisprudência a respeito do tema.

“A lei não prevê qualquer restrição à garantia do imóvel como bem de família relativamente ao seu valor, tampouco estabelece regime jurídico distinto no que tange à impenhorabilidade, ou seja, os imóveis residenciais de alto padrão ou de luxo não estão excluídos, em razão do seu valor econômico, da proteção conferida aos bens de família consoante os ditames da Lei 8009/90”.

A Corte Superior decidiu pela preservação da unidade familiar como pilar essencial na aplicação do instituto da impenhorabilidade do bem de família, em consonância com os ditames da Lei 8.009/90.

Isto posto, verifica-se que a lei não estabelece qualquer restrição ao valor do imóvel protegido, e a impenhorabilidade deve ser aplicada da mesma forma, independentemente do padrão ou valor econômico da propriedade. Assim, a proteção do bem de família, como garantia do direito à moradia, prevalece como princípio fundamental do ordenamento jurídico.

Larissa Alves da Silva de Amorim é advogada do Granito, Boneli & Andery (GBA Advogados Associados), bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Consultor Júridico

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