Leandro Cabral: Nova luz no fim do túnel do litígio judicial

A via autocompositiva demanda espaço e diálogo para negociações factíveis e efetivas, mediante disponibilidade e compromisso ao acordo, com uma postura imbuída de boa-fé e predisposição à via da conciliação ou mediação.

No âmbito judicial, a autocomposição tem lugar em todas as instâncias, inclusive perante o Supremo Tribunal Federal (STF), por sua compatibilidade com o exercício da jurisdição constitucional, conforme se proclamou na 2ª Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios promovida pelo Conselho da Justiça Federal, por meio do Enunciado nº 175 [1].

O Centro de Soluções Alternativas de Litígios (Cesal) é o núcleo responsável pelo suporte aos gabinetes de ministros do STF na busca de soluções consensuais de questões jurídicas e auxilia na resolução dos litígios estruturais e das demandas complexas de competência da Suprema Corte, além de promover a cooperação judiciária do STF com os demais órgãos do Poder Judiciário, conforme aprofundaremos a seguir.

Solução alternativa de litígios e o Cesal/STF

Os mais de 100 milhões de processos em tramitação no Poder Judiciário aguardam o exercício da jurisdição, pela qual o Estado resolve a disputa, o litígio, mas nem sempre  ou melhor, dificilmente  elimina o conflito sociológico das partes, a disputa interpessoal, a animosidade, as mágoas e os ressentimentos. Há, no mais das vezes, a sensação de um vencedor e um perdedor na aplicação da lei pelo Estado.

É evidente o desequilíbrio entre a demanda por decisões judiciais e a capacidade de proferi-las, o que impele o Direito a avançar no movimento da pacificação social por caminhos alternativos, notadamente na via preventiva, onde o consenso das partes evita ou reduz o tempo do processo.

Precisamos de um sistema judiciário eficiente e célere, sensível e responsivo às transformações sociais, mas que, ao mesmo tempo, garanta os direitos humanos fundamentais. Trata-se de evoluir de cultura; nos convencer que melhor que a sentença é a pacificação.

Nas palavras do ministro Carlos Ayres Britto, é necessário ocorrer “o eclipse do ego” para surgir a luz [2].

O Código de Processo Civl (CPC  Lei nº 13.105/2015), a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), a Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 125/2010 (e alterações) e a Resolução do Conselho da Justiça Federal (CJF) nº 398/2016 preveem a adoção de técnicas de solução alternativa de litígios, em prol do mandamento constitucional de construção de uma sociedade fraterna.

O artigo 3º, §3º, do CPC, estabelece que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual dos conflitos devem ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, em qualquer fase do processo judicial.

A solução de questões não se origina de saídas óbvias e o principal papel da mediação é auxiliar no fluxo informacional entre os envolvidos, criando vasos comunicantes que viabilizem a superação das diferenças e encontrem espaço ao acordo, ao que o rapport e a conexão entre as partes e os mediadores se mostram essenciais, com o apoio dos advogados das partes.

A consensualidade exige a construção de uma relação de confiança entre advogados, mediadores e as partes, para equalizar os diferentes perfis envolvidos na negociação e minimizar os ruídos de comunicação.

Os métodos alternativos de solução de litígios têm sido adotados há alguns anos, principalmente no primeiro grau de jurisdição, enquanto há uma dificuldade maior nos processos que aportam nos tribunais superiores, pois, muitas vezes, já houve tentativa infrutífera de mediação ou conciliação anteriormente.

Contudo, por vezes, é com o transcurso da marcha processual que as partes alcançam maior clareza sobre os impactos do processo em suas vidas e se tornam mais bem preparadas para tomar decisões difíceis, inclusive por conta da potencial estabilização de ânimos e expectativas.

É nesse contexto que se insere a atuação do Cesal/STF, superando a repetição dos procedimentos realizados nas instâncias ordinárias, para uma atuação voltada a resguardar a política pública de solução consensual por meio de precedentes e do sistema multiportas do STF.

O Cesal/STF foi instituído pela ministra Rosa Weber por meio da Resolução STF nº 790/2022 [3], integrado pelas seguintes unidades no âmito da Presidência do STF: Centro de Mediação e Conciliação (CMC/STF) [4], Centro de Cooperação Judiciária (CCJ/STF) [5] e Centro de Coordenação de Apoio às Demandas Estruturais e Litígios Complexos (Cadec/STF) [6] [7].

Coordenado por juiz auxiliar designado pela presidência do STF, à qual é diretamente subordinado, o Cesal/STF tem o papel de atuar nos processos da competência do ministro presidente e nos feitos da relatoria dos demais ministros do Tribunal  nessa segunda hipótese, mediante a iniciativa de encaminhamento do processo pelo ministro relator.

Sua origem fundamenta-se nos princípios constitucionais da eficiência e economicidade na administralção pública (artigo 37 da Constituição Federal), estensíveis ao Poder Judiciário, e decorre do processo de desburocratização instituído pela Lei nº 13.726/2018, objetivando a máxima implementação do direito à tutela jurisdicional efetiva.

O Cesal/STF é um hub ao exercício da jurisdição constitucional de forma estratégica, na solução de conflitos sujeitos à competência do STF que, por sua natureza, possam ser objeto de composição (CMC/STF), na cooperação recíproca com os demais órgãos do Poder Judiciário à prática de atos judiciais ou administrativos (CCJ/STF) e em demandas estuturais e processos complexos (Cadec/STF).

Qualificam-se sob a competência do Cadec/STF os processos voltados a reestruturar determinado estado de coisas constitucionalmente desconforme e aqueles em que a concretização dos direitos exigem técnicas especiais de efetivação processual e intervenções jurisdicionais diferenciadas, tais como flexibilidade de procedimento, consensualidade, negociações processuais, e atipicidade dos meios de prova, das medidas executivas e das formas de cooperação judiciária, nos termos do artigo 3º, Parágrafo Único, da Resolução STF nº 790/2022.

De acordo com essa resolução, cabe à relatoria indicar o processo para ser submetido ao Cadec/STF, de modo que a unidade adote providências para detalhar o problema estrutural e delinear as medidas necessárias para enfrentá-lo, propondo metas e prazos.

Em pesquisa jurisprudencial no sítio eletrônico do STF [8], em 7de Agosto de 2023, sob a expressão “Cesal”, identificamos três decisões [9], todas do corrente ano de 2023, fazendo alusão ao encaminhamento dos respectivos Processos à Cesal/STF, para se buscar uma solução dialogada.

A decisão mais recente identificada nessa pesquisa é de 12 de junho de 2023, vazada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) distribuída sob o nº 4916/DF, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo contra dispositivos legais [10] que, no seu entender, teriam violado o regime de pagamento dos royalties devidos da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos sob regime de partilha.

Na parte dispositiva da sua decisão, a ministra relatora determinou o encaminhamento dos autos ao Cesal/STF  juntamente com as ADI n. 4.917/DF 4.918/DF 4.920/DF, 5.038/DF e 5.621/DF, todas com o mesmo objeto , para se tentar uma solução consensual, considerando o alto significado do tema e a imprescindibilidade do diálogo e da cooperação institucionais à solução dos conflitos federativos [11].

Já nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) distribuída sob o nº 635/RJ, em decisão do ministro Edson Fachin, de 5 de junho de 2023, o Cesal/STF foi provocado pelo Relator, o que motivou audiências e o compromisso do Estado do Rio de Janeiro de responder aos quesitos apresentados pelos autores da ADPF [12], inclusive mitigando a complexidade de se lidar com as dezenas de participantes do processo, incluindo amicus curiae.

Completando o resultado da pesquisa, identificamos a primeira decisão de 2023 que menciona o Cesal/STF, nos autos do Recurso Extraordinário (RE) com Agravo nº 1.291.514/PR, de 10 de abril de 2023, envolvendo conflito entre Itaú Unibanco S/A e o Estado do Paraná relativamente ao cumprimento do “Contrato de Compromisso de Compra e Venda de títulos públicos, com caução”, cuja ação executiva foi proposta em 20/12/2004 [13].

O relator, ministro Ricardo Lewandowski, destacou haver considerado a autocomposição como uma via adequada à resolução do conflito, motivando proposta às partes da possibilidade de conciliação, cujas sessões se desenvolveram com o apoio do Cesal/STF, mediante negociação de forma cooperativa e paritária, também por meio de reuniões bilaterais e sessões privadas de mediação, adotando-se diversas ferramentas de métodos autocompositivos.

Consta que, em sessão de 31 de março de 2023, as partes finalizaram as tratativas e firmaram acordo, colocando fim ao conflito de mais de vinte anos, inclusive homologado na forma do artigo 932, I, do CPC, ensejando a extinção do processo na forma do artigo 487, III, b, do CPC.

Portanto, logo nos seus primeiros meses de funcionamento, o Cesal/STF foi responsável por três soluções alternativas, realizando o objetivo de mitigar o desequilíbrio entre a crescente demanda por decisões judiciais e a capacidade do STF de proferi-las, o que mostra o seu bom potencial.

Considerações finais

A autocomposição no STF assume especial proveito ao sistema, em razão de a autoridade responsável pela homologação integrar uma corte nacional, munida de ferramentas e conhecimento para identificar casos adequados dentre os milhares de processos que recebe.

A implementação do Cesal/STF atende ao comando constitucional da eficiência e economicidade na administração pública e entrega ferramenta à concretização das diretrizes do CPC em vigor, mirando a oportunidade de solução consensual no âmbito do STF, não apenas para colocar um ponto final e de comum acordo ao caso, mas, também, para servir de paradigma às demais instâncias e aos órgãos do Poder Judiciário quanto à forma consensual de solução de litígios judiciais.

Prova disso é o êxito alcançado mediante soluções consensuais por meio do Cesal/STF já no seu início de operação, confirmando o acerto da iniciativa da sua criação pela Presidência do STF e apontando para um futuro promissor em soluções alternativas e consensuais, iluminadas pelo “eclipse do ego” viabilizada pelo espaço especialmente preparado no âmbito da Corte Constitucional brasileira.

 

 

Referências

ARABI, Abhner Youssif Mota. SANTOS, Pedro Felipe de Oliveira. Cortes Digitais: a experiência do Supremo Tribunal Federal. In: FUX, Luiz; ÁVLIA, Henrique; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coordenadores). Tecnologia e Justiça Multiportas. Indaiatuba/SP: Editora Foco, 2021, pp. 105-116.

_____; FUX, Luiz. A função conciliatória do Supremo Tribunal Federal como tribunal da federação. In: Consultor Jurídico (São Paulo. Online), publicado em 14/06/2019. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-jun-14/fux-abhner-arabi-funcao-conciliatoria-tribunal-federacao. Acesso em: 30 jul. 2023.

LEAL, Saul Tourinho. Mediações e Conciliações no STF. In: DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Inovações no sistema de justiça: meios alternativos de resolução de conflitos, justiça multiportas e iniciativas para a redução da litigiosidade e o aumento da eficiência nos tribunais: estudos em homenagem a Múcio Vilar Ribeiro Dantas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

Leandro Cabral e Silva é advogado em Brasília, mestre em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Consultor Júridico

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