Lenio Streck: O VAR que anulou o gol de Rony e o anarco-textualismo

Uma coisa insustentável na área jurídica parece que deu certo no futebol: o anarco-textualismo. Foi o que aconteceu com a anulação do gol do atacante Rony, um feito estético, um gol de placa, por causa de  milímetros de (um pretenso) impedimento. Quanta tolice.

Há uma coisa básica em qualquer interpretação, inclusive quando se trata na arbitragem futebolística: o telos. Ou seja: para que serve (qual é a finalidade) uma norma jurídica (mesmo que seja uma regra de futebol)?

Rony teve gol anulado pelo VAR por um suposto impedimento na origem da jogada

Cesar Greco/Palmeiras

É de irritar o que acontece com a farra da ignorância do VAR. Para explicar o que é “anarco-textualismo” (há um verbete do meu dicionário Senso Incomum que explica isso), uso um clássico exemplo: se uma lei proíbe que se leve cães na plataforma do trem, pareceria ridículo, patético e nescial que, por serem proibidos cães, houvesse passe livre para ursos, jacarés e quejandos. E seria muito bizarro que se proibisse a um cego que levasse o seu cão-guia. Ou até mesmo que uma criancinha levasse seu cão Yorkshire.

Ora, a lei que proíbe cães proíbe animais que causem perigo aos passantes. Simples. Assim como uma regra que proíbe of side no futebol tem o objetivo de impedir que o atacante leve vantagem sobre a zaga. Milímetros que somente são visíveis por alta tecnologia e com duvidosa linha computacional não podem ser enquadrados como infringência da regra do impedimento.

Aliás, centímetros na frente são invisíveis ao olho humano. Se o são, não trazem vantagem ao atacante. Impossível aferir. O VAR deveria analisar concretamente se houve vantagem. Nem vou falar de alguns pênaltis patéticos que são marcados todos os domingos por causa do toque de mão.  

Não fosse por outra coisa, futebol é ludicidade. Esporte ludopédio. Não deve dar azo a tecnocracias e árbitros tecnocratas que nunca chutaram uma melancia na vida.

Urgente. Ou acabamos com essa pouca vergonha antiesportiva ou ela acaba com o ludopédio.

Parece que o gol de Rony foi a gota d1água. Foi o limite. A última fronteira.

Proponho uma ludo-hermenêutica. Já chegam os estragos feitos pelo textualismo (ou anarco-textualismo) no direito.

Se não acreditarem em mim, leiam Shakespeare. A peça Medida por Medida. Ali o néscio do Ângelo condena Cláudio à morte fazendo o uso do VAR. Não vou dar spoiler sobre o que disse o bardo.

Consultor Júridico

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