Após meses de negociação, a Câmara dos Deputados aprovou o chamado arcabouço fiscal. O texto passou pelo Senado e, após as mudanças propostas pelos parlamentares, retornou para a análise dos deputados.
Com 379 votos a favor e 64 contra, a Câmara acolheu parte das alterações do Senado. Essas mudanças propostas pelos senadores e mantidas pelos deputados excluem da nova regra fiscal o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Esse último foi muito comemorado pela bancada do Distrito Federal.
Em uma análise sob o prisma jurídico e à luz dos princípios constitucionais de equidade e eficiência na gestão pública, a proposta governamental que busca delimitar o crescimento econômico através do arcabouço fiscal apresenta nuances significativas. É fundamental reconhecer que a implementação de mecanismos fiscais que objetivam a estabilidade econômica está alinhada com as prerrogativas constitucionais de manter a ordem econômica e a responsabilidade fiscal.
No entanto, a exclusão de certas despesas, como as relativas ao Fundeb e ao Fundo Constitucional do DF, das diretrizes desse novo regime fiscal, pode levantar questionamentos sobre a universalidade e isonomia das regras. Por um lado, essas exclusões poderiam ser justificadas pela natureza essencial dos serviços prestados por tais fundos, especialmente no contexto da educação básica e da manutenção da ordem no Distrito Federal. Por outro, a isenção de determinadas despesas pode suscitar debates acerca de possíveis privilégios ou desequilíbrios na distribuição dos recursos públicos.
A proposta, ao substituir o atual teto de gastos por novas metas fiscais, pode impactar na confiança dos agentes econômicos, tanto internos quanto externos, na gestão fiscal do país. Portanto, é de suma importância que quaisquer mudanças sejam comunicadas de maneira transparente e que exista um diálogo robusto entre os Poderes Executivo, Legislativo e os demais stakeholders envolvidos.
Em relação ao impacto da proposta, é fundamental analisar tanto a busca pela estabilidade econômica quanto a necessidade de garantir a equidade, a previsibilidade e a transparência no gerenciamento dos recursos públicos.
Do ponto de vista jurídico-econômico, o arcabouço fiscal pode trazer diversas consequências e desafios ao empresariado e a economia como um todo.
Primeiramente, é notório que um aumento da carga tributária pode impactar diretamente a liquidez das empresas, principalmente daquelas de menor porte, cujas margens de lucro tendem a ser mais reduzidas. Este cenário poderia culminar em problemas de fluxo de caixa, dificultando o cumprimento de obrigações financeiras e tributárias e, em casos mais extremos, resultando em insolvência.
Adicionalmente, sob o prisma do investimento, uma carga tributária mais onerosa pode atuar como um desincentivo à realização de novos aportes por parte de investidores nacionais e internacionais. A atratividade de um país enquanto destino de investimentos muitas vezes está vinculada à sua estrutura tributária, e um ambiente percebido como menos hospitaleiro em termos fiscais pode repercutir na diminuição do fluxo de capital.
Ao onerar mais as empresas, os custos adicionais podem ser repassados ao consumidor final, resultando em produtos e serviços mais caros, o que, por sua vez, pode levar a uma diminuição da demanda.
Do ponto de vista jurídico, a implementação de novas cargas tributárias ou a majoração das existentes deve respeitar os princípios constitucionais tributários, tais como capacidade contributiva, isonomia e vedação ao confisco. A não observância destes princípios pode gerar um ambiente de litigiosidade, com o ingresso de ações judiciais por parte dos contribuintes, buscando a declaração de inconstitucionalidade ou a modulação dos efeitos de tais medidas tributárias.
Juridicamente falando, a majoração de tributos encontra limitações expressas na Carta Magna. O princípio da anterioridade, previsto no artigo 150, III, “b” da Constituição, estabelece que a criação ou majoração de tributo só pode produzir efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o final do exercício financeiro anterior. Ademais, o princípio da vedação ao confisco, também previsto no artigo 150, IV, serve como baliza à capacidade contributiva, impedindo que a tributação seja utilizada de forma confiscatória. Estes são apenas dois exemplos dentre uma série de princípios e normas que balizam a atividade tributante do Estado, e que, não raro, são objeto de controvérsias judiciais.
A vinculação do teto de gastos ao crescimento da receita primária introduz uma variável de imprevisibilidade no cenário econômico brasileiro, que pode repercutir diretamente na capacidade das empresas de elaborar planejamentos a longo prazo. Percebe-se que, ao subordinar os gastos públicos à evolução das receitas, introduz-se um elemento de volatilidade fiscal que pode afetar diretamente o ambiente de negócios. Esse cenário, ao flutuar conforme a performance econômica do país, pode ocasionar variações tanto em políticas de investimento público quanto em estratégias tributárias, fatores estes que têm reflexo direto nas operações e projeções empresariais.
As empresas, ao considerarem esse novo arcabouço, deveriam ponderar em situações onde as receitas primárias se mostrem insuficientes, é plausível que haja movimentos por parte do governo visando aumentar a arrecadação, seja por meio da criação de novos tributos ou majoração dos existentes.
Empresas devem, então, se preparar para cenários de carga tributária crescente, buscando estratégias de planejamento tributário eficientes. A nova dinâmica de vinculação dos gastos ao desempenho das receitas primárias demanda das empresas uma postura proativa de análise, adaptação e planejamento, sempre respaldada por uma assessoria jurídica especializada, capaz de guiar as decisões empresariais diante dos desafios e oportunidades que esse cenário apresenta.
Os diferentes setores da sociedade podem sentir os impactos de maneira variada. O empresariado, em particular, pode enfrentar desafios ao tentar antever a postura fiscal do governo em um horizonte de médio a longo prazo. Para o cidadão comum, a limitação dos gastos públicos pode se traduzir em restrições em áreas fundamentais como saúde, educação e infraestrutura. Já para o setor financeiro e investidores, a volatilidade pode representar tanto riscos quanto oportunidades, dependendo da capacidade de cada ator em antecipar movimentos e se adaptar ao cenário proposto.
Leonardo Roesler é mestre em Administração e Finanças pela Ohio University, especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), bacharel em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi), especialista em Direito Tributário pela FGV, bacharel em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e bacharel em Direito com Dupla Titulação Internacional pela Univali.