Ao que parece, tornou-se comum a criação de fundos estaduais no âmbito do agronegócio. Diga-se que se tornou comum, pois, vários são os estados que possuem respectivos fundos, a exemplo de Goiás (Fundeinfra), Mato Grosso (Fethab), Mato Grosso do Sul (Fundersul) e Tocantins (FET). Fundos estes que possuem similitude em sua estrutura normativa, qual seja: exigência de uma contribuição intitulada como sendo facultativa, no âmbito do ICMS, e incidente sobre alguns produtos oriundos da atividade rural, para o fim de o contribuinte se valer de determinados incentivos fiscais.
A criação mais recente destes fundos foi em Goiás. A justificativa para sua criação foi a queda na arrecadação de receitas estaduais, em decorrência da limitação da alíquota do ICMS nos combustíveis [1], que se deu com a aprovação da Lei Complementar n° 194/2022, da qual impediu os estados de fixaram alíquotas superiores ao das operações em gerais.
O Fundeinfra foi criado pela Lei Estadual n° 21.670/2022. Já as possibilidades de cobrança da contribuição a ele destinada foram criadas pela Lei n° 21.671/2022, e regulamentadas pelo Decreto n° 10.187/2022.
De forma bem resumida, três são as situações das quais a contribuição ao Fundeinfra pode ser exigida. E são elas: 1) como condição para assegurar o direito a imunidade do ICMS na exportação de determinadas mercadorias; 2) como condição para manutenção da sistemática de substituição tributária por parte da empresa adquirente (revenda e/ou agroindústria) e 3) como condição para fruição do incentivo fiscal de isenção do ICMS, em determinadas operações.
Com a publicação no Diário Oficial, várias foram as ações propostas a fim de questionar a cobrança dessa contribuição, inclusive ações diretas de inconstitucionalidade junto ao STF, a exemplo da ADI n° 7363, ajuizada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), cuja relatoria é do ministro Dias Toffoli, onde foi concedida a liminar para suspender sua cobrança. Porém, não foi referendada pelo plenário.
O objetivo deste artigo, sem esgotar o tema, evidente, é apresentar o possível cenário após a judicialização do tema, em especial, o que esperar do julgamento da ADI n° 7363.
Da alegada facultatividade
De início, importante apresentar aos leitores não tão sintonizados ao tema, de forma objetiva, o que seria essa contribuição, bem como o porque ela é intitulada, para alguns, como sendo facultativa.
O fundo foi criado, segundo o próprio artigo 1° da Lei 21.670/2022, para executar, no âmbito estadual, políticas e ações administrativas para o desenvolvimento da infraestrutura de rodovias, como, por exemplo, recuperação, manutenção, conservação, pavimentação e etc.
A fonte de suas receitas, dentre outras, é uma contribuição, a ser exigida no âmbito do ICMS e sobre determinadas operações de compra e venda de commodities agrícolas, para o fim de o contribuinte se valer de incentivos fiscais. A alíquota varia de 0,5% a 1,65% sobre o valor bruto da operação.
Aqueles que defendem sua facultatividade, assim o fazem, pois, segundo eles, o contribuinte somente recolhe a contribuição acaso queira se valer de alguns incentivos fiscais. Se não quiser recolher, não é obrigado, porém, não terá direito a respectivos incentivos. Mas com respeito àqueles que assim pensam, pela leitura de seus dispositivos, fica claro que de facultativo nada tem.
Como dito, três são as situações das quais a contribuição ao fundo pode ser exigida. As premissas para o recolhimento dessa contribuição são muito simples: quer se valer de determinados incentivos fiscais? Recolha a contribuição! Quer se valer da imunidade do ICMS na exportação (aquela mesma, prevista no 155, §2°, inciso X, alínea “a” da CF/88)? Pague a contribuição! Ou ainda, quer beneficiar a empresa adquirente para que ela possa pagar o ICMS por ela retido, no momento da aquisição da mercadoria, apenas na operação subsequente? Pague a contribuição.
Sem querer entrar no mérito de todas essas premissas, pois fugiria do ponto principal do presente artigo, além de torná-lo extremamente extenso, fica claro, em uma leitura muito rasa, que não existe facultatividade.
Na verdade, o que se entende por facultatividade?
Partindo dos ensinamentos do já saudoso Hugo de Brito Machado, a distinção entre facultativo e compulsório se dá no momento do nascimento da obrigação, pois, no momento do pagamento, todas as prestações são obrigatórias, inclusive as obrigações voluntárias [2].
Assim, se no momento do nascimento da obrigação não existe o elemento volitivo da parte envolvida, a obrigação é compulsória, como a prestação também o será. Porém, se há vontade no surgimento da obrigação (como um contrato, por exemplo), levando em consideração seu nascimento, então ela não é compulsória. Dito isso, pergunta-se: existe o caráter volitivo do contribuinte, quando da formação da contribuição ao Fundeinfra? Evidente que não, portanto, de facultativo nada tem.
E vários são outros argumentos para contrapor a alegada facultatividade. Ora, no caso da exigência do ICMS na exportação (além de ser manifestamente inconstitucional), pergunta-se: entre pagar uma alíquota de 18% (regra geral do ICMS) e pagar a contribuição ao fundo, qual será a “opção” do contribuinte?
Evidente que pagar a contribuição ao fundo, pois, sua maior alíquota é de 1,65%. Entretanto, ele não paga por “mera liberalidade”. Ele é obrigado, por razões financeiras, a pagar! Na verdade, é bom que se diga que, na prática, sequer é dado ao contribuinte a opção de pagamento (seja qual for a operação da qual a contribuição ao fundo pode ser exigida), o que é mais um argumento contra a alegada facultatividade.
Isso porque as empresas adquirentes, sejam elas revendas, agroindústrias ou exportadoras, quando da operação que lhes autorizam a reter a contribuição ao fundo, irão fazê-lo, independente da escolha do contribuinte. Em outras palavras: as empresas adquirentes retêm a contribuição ao fundo, repassando o valor da negociação ao vendedor (produtor rural), já com o desconto do percentual relativo a contribuição, sem qualquer chance de o produtor questionar A, B ou C.
O motivo? Deve ser o receio de responsabilizar-se solidariamente pelo pagamento da obrigação (artigo 128 do CTN). Enfim, em que pese tratar-se de algo casuístico, tal fato deve ser levado em consideração.
De todo modo, reitera-se: não há facultatividade! Facultativo seria se o contribuinte, por livre e espontânea vontade, optasse em recolher a contribuição (como se fosse doação mesmo). Porém, se não quiser, nenhuma consequência teria — fato este que não acontece no caso Fundeinfra, pois, se não houver o recolhimento (em que pese, como dito, sequer ser dado a opção ao contribuinte entre recolher ou não), o mesmo sofrerá consequências financeiras de maiores ordens (maior carga tributária).
Da judicialização do tema: O que esperar?
O tema foi, de fato, judicializado. Não só pela ADI ajuizada pela CNI, como também várias outras ações. Citamos, como exemplo, a ADI n° 7.366, ajuizada pela Aprosoja, a ação coletiva n° 5088366-42, também impetrada pela associação no âmbito do TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás), além de várias outras ações, sejam elas de caráter coletivo ou individual [3].
O ponto principal dessas ações é: trata-se de contribuição voluntária ou compulsória? Sendo compulsória, tal qual é um tributo e, portanto, inconstitucional.
Como dito anteriormente, na ADI n° 7.363 ajuizada pela CNI, o relator, ministro Dias Toffoli, concedeu a liminar a fim de suspender sua cobrança. Entretanto, o colegiado não referendou a liminar (placar ficou 7 a 3), motivo pelo qual a contribuição voltou a ser cobrada.
Diante deste cenário, muitas dúvidas surgiram, principalmente se o tema Fundeinfra está superado, ou seja, se nada mais pode ser feito. E a resposta é não.
Isso porque, além das ações ainda estarem em andamento (o que implica dizer que o tema ainda está em discussão), o produtor, em especial, deve se ater a alguns pontos, a fim de não sofrer maiores prejuízos, como, por exemplo, nas negociações realizadas em que há a retenção da contribuição, pois estamos acompanhando inúmeras situações das quais a adquirente a retém, porém, de forma indevida, eis que não autorizado por lei.
Além disso (e tantos outros pontos a serem levados em consideração), existe uma questão, ao menos para ser refletida. Trata-se da possibilidade de modulação de efeitos, acaso a ADI ajuizada pela CNI, ou pela Aprosoja, ou outra, seja procedente, porém, com modulação de efeitos. Isso significa que, mesmo o STF entendendo pela inconstitucionalidade da contribuição, tal qual pode modular os efeitos para o futuro. Em outras palavras: apenas a partir da data futura a contribuição não pode ser mais exigida. E o que foi pago, foi, não tendo direito a restituição, salvo aqueles que já propuseram a medida judicial. Esse “salvo” é algo deve ser levando em consideração, ou, ao menos, para reflexão.
Enfim, fato é que a discussão ainda está totalmente aberta e a nossa esperança é que o final seja de um final feliz, com a declaração de inconstitucionalidade da denominada contribuição ao Fundeinfra, que, reitera-se, de facultativo nada tem!
Leonardo Scopel Macchione de Paula é pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Damásio Educacional e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), pós-graduando em Prática Tributária e Empresarial pelo Instituto Goiano de Direito (IGD), mestrando no Instituto Brasileiro de Ensino (IDP), professor universitário de Direito Contratual, professor em curso preparatório para primeira fase da OAB no Dr. Aprova e sócio do escritório Macchione & de Paula Advogados Associados.