O escritor e poeta Alfredo Augusto Becker, ao escrever o célebre e histórico livro Carnaval Tributário, jamais imaginaria que iria revolucionar as estruturas do raciocínio jurídico e promover profundas alterações nos rumos do estudo do direito tributário brasileiro. Essa obra foi composta por 24 pequenos capítulos, divididos em quatro partes, que retrataram, de forma poética, as reflexões e experiências profissionais do grande jurista.
Todavia, o grande jurista jamais imaginaria que o título de seu livro poderia descrever o contexto em que está inserida as discussões envolvendo a aprovação da proposta de reforma tributária. Isso acontece porque esse título Carnaval Tributário que nomeou a famosa obra jurídica nunca foi tão atual e lembrado como tem sido nos últimos dias.
De fato, antes de qualquer juízo valorativo, precisamos lembrar que a palavra “Carnaval” leva a lembrança de alegria e comemoração para muitas pessoas e esse é um sentimento que indiscutivelmente a reforma tributária acaba despertando nos corações de muitos contribuintes. Afinal de contas, são muitos anos que ela é aguardada e reivindicada por grande parte dos brasileiros.
Vejam bem, esse sistema tributário adotado pelo Brasil é considerado tão complicado e imperfeito que chegou a ser apelidado de “manicômio”. Aliás, entre tantos grupos discordantes sobre o caminho a ser adotado pelo Brasil quando se fala em tributação, uma ou talvez a única coisa que os grupos concordam, em unanimidade, foi que precisamos urgentemente de uma reforma tributária.
Ocorre que o nome “Carnaval” também possui um sentido pejorativo e aí que mora o problema quando se fala em uma alteração tão importante, como é a reforma do sistema tributário brasileiro. Afinal, quem não faz ligação da palavra “Carnaval” a “festa” ou “folia”, ou seja, tudo que uma reforma tributária não pode representar. O que se quer dizer é que uma alteração dessa magnitude e importância pode ser chamada de tudo, menos que se trata de uma “festa”!
É preciso discutir com seriedade essas propostas, deixando de olhar para o seu próprio umbigo e focando no bem geral e crescimento econômico do país, mas também não deixando de lado as necessidades de determinados grupos. Logo, não se pode tentar inviabilizar as discussões para garantir o seu próprio assado ou empurrar essas alterações em segredo e a força, sem o tempo adequado para desenvolver as discussões entre os grupos de posicionamentos opostos. Parece até que tais ponderações fogem de um posicionamento, todavia não é isso! Essas ponderações são as balizas que devem consideradas daqui para frente.
Isso porque o texto da reforma tributária foi apresentado e aprovado, em dois turnos, pela Câmara dos Deputados, trazendo como mudanças a substituição de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por um IVA Dual e um Imposto Seletivo. Esse sistema apresentado pelo relator, deputado federal Aguinaldo Ribeiro, pode ser chamado de dual porque envolve a bipartição entre uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos estados e municípios. Além disso, a proposta apresenta um Imposto Seletivo (IS) sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente e alterações do IPTU, IPVA e ITCMD.
Com esse importante passo dado, a proposta seguirá para o Senado Federal e o que se imagina é que de agora em diante as discussões a respeito da famosa reforma tributária se intensifiquem e o que se espera é seriedade e transparência nessa nova fase. Não que se diga que até o momento essas premissas não foram levadas em consideração pelos seus propositores e por seus apoiadores, mas a verdade é que o texto foi apresentado e poucos dias depois já foi levado para votação, sendo aprovado pela Câmara dos Deputados às pressas e em dois turnos.
Ao que parece a aprovação do texto está sendo tocado às pressas, sem dar tempo para a sociedade refletir e discutir sobre o seu conteúdo e, principalmente, esclarecer os contribuintes e seus respectivos setores sobre os impactos que serão provocados nos setores da economia brasileira. É assim que podemos tratar esse mal que padece o sistema tributário brasileiro que resulta em um absurdo número de normas, alta carga tributária cobrada majoritariamente sobre o consumo, elevado nível de litigiosidade e um alto custo de conformidade estratosférico para as empresas.
Logo, não basta focar em discutir apenas em extinção ou substituição de tributos em nome de uma eventual simplificação da tributação sobre o consumo ou, ainda, a redução da cumulatividade e a mitigação da guerra fiscal entre os entes federativos, mas tratar todos os mencionados males causados por esse sistema de tributação. E somente com seriedade, analisando todos os aspectos do país é que se pode chegar a produção de um verdadeiro antídoto para essas patologias.
Em verdade, antes de qualquer análise do conteúdo da PEC nº 45/2019 (reforma tributária), a grande questão que deve ser verificada é o aspecto formal que está tramitando a proposta. Isso porque não é aceitável, independentemente das boas intenções, que uma alteração dessa magnitude tramite sem o necessário diálogo com a sociedade. Ao que parece, pretende-se aprovar a reforma e depois verificar o que ela trouxe de dissabores para alterar o que não pode ser admitido!
Afinal, a reforma é para todos e não para um seleto grupo de pessoas. Se fosse assim, somente estas pessoas que discutiram é que devem sofrer o peso da carga tributária aprovada por essa reforma.
Ademais, mesmo que se considere que a reforma tributária é falada há muito tempo, o texto escrito foi apresentado somente agora. Essa preocupação com a necessária observação do rito legislativo e transparência é pertinente, pois aprovar um texto inconstitucional somente trará malefícios ao país, mesmo que seu conteúdo seja dotado de boas intenções. De fato, a reforma tributária é necessária para o ingresso do Brasil em um modelo competitivo mundial (e todos querem isso), mas antes de tudo se deve obedecer às regras constitucionais do devido processo legislativo, da transparência e do diálogo.
É nesse complexo cenário que está inserida a proposta de reforma tributária, a qual pode se tornar um verdadeiro remédio para tratar a doença que padece o sistema tributário brasileiro. Caso contrário, novamente pode-se repetir os erros do passado e ser criado um novo “manicômio” e as patologias desse sistema tributário irão se perpetuar. Afinal de contas, os manicômios não curam ninguém!
Maceno Lisboa da Silva é advogado, pós-graduado em Direito Tributário e pós-graduando em Direito do Estado pelo Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).