Anupreeta Das começa seu livro sobre Bill Gates, 68, com uma pedrada: a descrição de uma foto de 2011 que mostra o cofundador da Microsoft bem ao lado de Jeffrey Epstein, condenado por manter uma rede de tráfico sexual de menores e morto na cadeia.
Segundo a autora, Gates chegou a usar o jatinho de Epstein apesar de possuir suas próprias aeronaves, em uma mancha até hoje presente na imagem do lendário empresário que virou filantropo.
“Billionaire, Nerd, Savior, King” (bilionário, nerd, salvador, rei, em português) começa frenético, mas depois cai numa certa tela azul.
O que Das, ex-editora de finanças do jornal The New York Times, se propõe a entregar não é exatamente uma biografia. Se o leitor quiser se informar sobre a história do homem que, com Steve Jobs, forjou a tecnologia moderna, sairá frustrado.
A autora passa uns poucos parágrafos na garagem em que Gates e Paul Allen (1953–2018) começaram a Microsoft em 1975. Muitas páginas são gastas em uma enfadonha discussão sobre a representação do nerd na sociedade, e o leitor fica sem entender, exatamente, o que os jovens fizeram de diferente para criar a empresa que até hoje disputa o título de mais valiosa do mundo.
O interesse da jornalista é outro. Ela usa Gates como símbolo para questionar a influência dos super-ricos na vida dos habitantes do planeta (o mundo nunca teve tantos bilionários: são 2.781 na contagem deste ano da revista Forbes, 141 a mais do que no ano passado).
E ninguém nas últimas quatro décadas personificou tão bem a lista dos mais ricos do mundo quanto Gates: hoje na sétima posição, com US$ 136 bilhões (R$ 760 bilhões) de patrimônio, ele entrou para a lista de bilionários da revista em 1987 e foi o mais abastado do globo por 18 anos desde então. “Poucos bilionários estiveram sob atenção pública por tanto tempo, e sob tantas facetas, quanto Gates”, afirma Das.
O empresário teve, de fato, fases bem distintas, ao menos no modo percebido pelo público e pela imprensa: (1) o garoto genial que criou uma empresa gigantesca que revolucionaria o mercado de computadores; (2) o empresário dono de um monopólio no mercado de software, um “vilão corporativo”; (3) o filantropo que busca resolver grandes problemas globais, da malária ao déficit educacional, doando US$ 7 bilhões (R$ 40 bilhões) por ano por meio de sua fundação.
É nessa terceira era em que a autora se concentra, com o criador do Windows como símbolo para discutir a filantropia dos bilionários americanos, um mote que não é exatamente original: o também jornalista Tim Schwab faz o mesmo em “The Bill Gates Problem: Reckoning With the Myth of the Good Billionaire” (O problema Bill Gates: acertando contas com o mito do bom bilionário), lançado no ano passado.
Por mais que doar seja, em geral, nobre, para os super-ricos há outros elementos em jogo. “Para aqueles no topo, a doação filantrópica muitas vezes é determinada por um cálculo complicado que, além da generosidade, envolve morte, impostos, mercados, egoísmo e reputação”, afirma.
Gates, argumenta a autora, “se metamorfoseou em uma espécie de benfeitor global” depois de ter a imagem manchada por um histórico julgamento em 2000.
Naquele ano, uma decisão antitruste da Justiça americana contra a Microsoft determinou que a empresa havia abusado de seu monopólio com o sistema operacional Windows —um juiz federal inclusive ordenou a divisão da companhia.
Embora essa divisão tenha sido revertida após as apelações, as principais resoluções jurídicas foram mantidas, restringindo contratos com parceiros e exigindo que a companhia compartilhasse parte de sua tecnologia, impedindo-a de monopolizar a internet.
Esse processo de mutação ainda não chegou ao fim, diz a jornalista do The New York Times: Gates quer o Prêmio Nobel da Paz. Uma das estratégias relatadas é lançar campanhas de publicidade no momento em que o mundo se aproxima de algum marco de saúde pública no qual a Fundação Gates esteja envolvida.
A Fundação Gates, aliás, se chamava Fundação Bill e Melinda Gates até o início deste ano. O nome mudou após a saída de Melinda Gates, ex-mulher do empresário, da organização. A separação oficial, em 2021, ganha bastante destaque no livro de Anupreeta Das.
Na época, “o mundo ficou sabendo dos casos que ele teve durante seu casamento”, afirma. “Antes um modelo de retidão, Gates havia caído em uma lama de ignomínia.” De acordo com o jornal The Wall Street Journal, uma investigação interna sobre um relacionamento do bilionário com uma funcionária da Microsoft fez com que ele deixasse o conselho da empresa em 2020. Um representante do empresário negou que o episódio estivesse ligado à renúncia.
A autora afirma, sem elaborar muito, que a “exposição pública do relacionamento de [Bill Gates] com Epstein contribuiu para a separação”.
No saldo, o livro carece de foco e falha em entregar o subtítulo da obra: “A verdade oculta sobre Bill Gates e seu poder de moldar nosso mundo”. Muito do trabalho de Anupreeta Das tem como base reportagens da imprensa e outros livros.
Mas a obra atrai pelo compilado da vida do empresário e sua influência sobre os bilionários, incluindo a geração seguinte: durante o escândalo da Cambridge Analytica envolvendo o Facebook, Bill Gates foi grande conselheiro de Mark Zuckerberg.