Após o julgamento pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) no âmbito do Tema Repetitivo nº 1.182 [1], poderia se imaginar que o futuro reservaria aos contribuintes um cenário de maior estabilidade e segurança jurídica em relação à tributação federal sobre os incentivos fiscais de ICMS. Naquela ocasião, as seguintes teses foram fixadas pela 1ª Seção da Corte Superior:
“1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros — da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (artigo 10, da Lei Complementar nº 160/2017 e artigo 30, da Lei nº 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no EREsp 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros — da base de cálculo do IRPJ e da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§4º e 5º ao artigo 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu §2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.”
Em relação ao crédito presumido de ICMS, o STJ firmou a tese que o benefício é uma concessão definitiva e irrecuperável de valores (“grandeza positiva”), de modo que a incidência de IRPJ/CSLL ofende o pacto federativo. Assim, ratificou a orientação anterior constante em Embargos de Divergência (EREsp nº 1.517.492) acerca da não incidência de IRPJ/CSLL sobre estes valores, independentemente de qualquer condição.
No que tange aos demais benefícios fiscais de ICMS, a Corte Superior destacou que, diferentemente do crédito presumido, os valores são postergados (“grandeza negativa”) para momento distinto da cadeia de circulação de mercadorias. Logo, afastar a incidência de IRPJ/CSLL constituiria, a priori, uma hipótese de isenção heterônoma.
Logo, pelo julgamento do STJ, para os outros tipos de incentivos fiscais (redução de base de cálculo, isenção, diferimento etc) em regra há a tributação do IRPJ e CSLL, apenas sendo permitida a exclusão dos valores da base de cálculo do IRPJ e CSLL caso sejam observados os requisitos previstos em lei no art. 30 da Lei 12.973/2014: constituição de reserva e posterior aumento de capital social, bem como a comprovação que a subvenção foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico.
Embora o mencionado julgamento tenha versado especificamente sobre o IRPJ e a CSLL, os incentivos fiscais de ICMS seguem a mesma lógica no que tange ao PIS e a Cofins, pois, desde que concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e de doações feitas pelo poder público, podem não ser incluídos na base de cálculo das contribuições apuradas sobre a sistemática não cumulativa, nos termos da expressa previsão do inciso X do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002 e inciso IX do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.833/2003 [2].
Sem prejuízo das discussões doutrinárias quanto ao teor do julgamento e as suas repercussões práticas, é indubitável que a estabilização jurisprudencial decorrente do julgamento em sede de recursos repetitivos trouxe mais segurança jurídica em relação ao tema, sendo possível aos contribuintes mensurarem o impacto dos benefícios fiscais estaduais em relação à carga tributária federal.
Após alguns meses, provavelmente insatisfeito com o impacto arrecadatório decorrente do julgamento do STJ, o Governo Federal lançou mão da Medida Provisória nº 1.185/2023, que produzirá efeitos a partir do dia 01/01/2024, modificando toda a sistemática de tributação dos incentivos.
O primeiro ponto a ser destacado na MP nº 1.185/2023 é que haverá a revogação do disposto no artigo 30 da Lei 12.973/2014, bem como o inciso X do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002 e inciso IX do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.833/2003, que trazem a previsão de exclusão das subvenções concedidas para implantação ou expansão do empreendimento econômico da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.
Em substituição à sistemática exclusão da base de cálculo dos tributos, os valores das subvenções passarão a representar créditos fiscais de subvenção para investimento, limitados ao IRPJ e seu adicional, que serão utilizados mediante PER/DCOMPs a serem apresentados.
Nota-se, de proêmio, o inevitável aumento da carga tributária, já que sobre o benefício fiscal haverá a incidência de 1,65% de PIS, 7,6% de COFINS e 9% da CSLL, antes excluídos da base de cálculo, podendo ser aproveitados os créditos fiscais exclusivamente em relação ao IRPJ.
Além disso, a Medida Provisória trouxe as seguintes condições para o aproveitamento dos créditos de IRPJ em relação às subvenções:
1) Os benefícios fiscais devem ser decorrentes de ato concessivo anterior à data de instalação ou expansão do empreendimento econômico e, além disso, devem estabelecer, expressamente, as condições e contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica (artigo 4º da MP nº 1.185/2023); e
2) Os créditos apenas poderão ser utilizados caso haja a conclusão da implantação ou expansão do empreendimento econômico (artigo 7º, inciso I da MP nº 1.185/2023).
Provavelmente as condições acima elencadas aprofundarão o contencioso tributário em relação à matéria, já que o Carf e o Judiciário passarão a discutir a adequação fática de cada ato concessivo e a efetiva utilização dos benefícios fiscais para conclusão da implantação ou expansão do empreendimento econômico.
Outro ponto de destaque é que os créditos apenas poderão ser utilizados após a entrega da ECF na qual esteja demonstrado o direito creditório e a partir do ano subsequente ao reconhecimento das receitas das subvenções (artigo 10 da MP nº 1.185/2023). Na prática, a alteração representa o aproveitamento dos créditos a partir de 2025 e, consequentemente, um maior valor de IRPJ a pagar já no ano de 2024 (além da majoração da CSLL, PIS e Cofins já citada anteriormente).
O novo regramento estabelece como data limite de aproveitamento do crédito fiscal aquelas receitas reconhecidas até 31/12/2028 (artigo 8º, inciso VI da MP nº 1.185/2023). Essa limitação aparenta se alinhar com a reforma tributária (PEC 45) em tramitação no Senado, a qual estabelece, até o momento, uma transição gradual do ICMS e ISS para o IBS, de modo que a partir de 2029, os tributos atuais e os benefícios fiscais correspondentes sofrerão reduções a cada ano, até 2032, com extinção em 2033.
É alvissareiro destacar aos contribuintes que gozam de crédito presumido de ICMS, contudo, que as modificações trazidas pela MP nº 1.185/2023 são inaplicáveis a este tipo de benefício, exceto se houver uma mudança de entendimento jurisprudencial trazida futuramente pelo STF no âmbito do Tema nº 843.
Isto porque, pela ratio do julgamento do STJ firmada em sede de Recursos Repetitivos, a não inclusão dos créditos presumidos na base de cálculo do IRPJ e CSLL é decorrente do princípio constitucional do Pacto Federativo (artigo 150, VI, “a”, da CF/88).
Conforme acima esclarecido, de acordo com a conclusão a que chegou a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, mostra-se irrelevante a discussão a respeito da revogação dos dispositivos legais para inauguração de uma nova sistemática, pois esta discussão é infraconstitucional, enquanto o fundamento em relação à exclusão do crédito presumido encontra-se albergado na Carta Magna.
Claro que não se pode desprezar o risco de a Receita Federal aplicar os critérios previstos na MP nº 1.185/2023 também em relação aos créditos presumidos de ICMS. Contudo, os contribuintes terão subsídios jurídicos consistentes, com fundamento na jurisprudência consolidada do STJ, para afastar as eventuais cobranças.
Por fim, não há dúvidas que, em relação aos demais tipos de benefícios fiscais, acaso mantida a atual redação da Medida Provisória nº 1.185/2023 pelo Congresso, surgirão diversas controvérsias em relação ao tema que certamente serão objeto de futuro debate.
Lucas Simões Wanderley é advogado, sócio do escritório Batista, Fazio, Manzi & Milet Advogados, especialista em Direito Tributário e mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).