Lucy Niess: Empregado doméstico — legislação e direitos

Empregado doméstico é aquele que, mediante remuneração, presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa física ou à família, no âmbito residencial destas. Dessa forma, o empregador doméstico não pode ser pessoa jurídica e não pode auferir lucros para si ou para outrem com o trabalho executado pelo empregado. O caráter não econômico bem como o exercício no âmbito residencial é que distinguem o empregado doméstico de outras ocupações.

As peculiaridades que regiam a relação jurídica estabelecida entre empregador e o empregado doméstico o deixavam à margem do conceito clássico de empregado e como tal definido no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, afastando-o da garantia de alguns dos direitos trabalhistas concedidos aos empregados em geral.

Inaugurando um período com maior proteção do empregado doméstico, editou-se a Lei nº 5.859, de 11/2/1972, regulamentada pelo Decreto nº 71.855, de 7/3/1973, que garantia direitos mínimos à categoria.

Com a tendência de inclusão gradual do doméstico no ordenamento jurídico, a Constituição de 1988 ampliou os direitos até então conquistados. Porém, restavam, ainda, algumas desigualdades de tratamento, como a referente ao instituto da denominada estabilidade provisória da empregada gestante, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o Seguro Desemprego.

O artigo 7º, § único da Constituição elencou os direitos assegurados à categoria (1), omitindo, porém, a garantia da proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa, garantia esta inserta no Inciso I do mesmo artigo 7º e que tinha como destinatários tão somente os trabalhadores urbanos e rurais (2).

Ora, o artigo 10, II, letra “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (3) conferiu somente às empregadas referidas no artigo 7º, I da Constituição (quais sejam, as empregadas urbanas e rurais) o direito à estabilidade, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, vedando nesta circunstância a dispensa arbitrária ou sem justa causa.

Desta forma, a doméstica não tinha direito à estabilidade provisória, e, não era, pois, proibida a sua dispensa, ainda que grávida se encontrasse. Os dispositivos constitucionais mencionados, como mencionado, referiam-se exclusivamente às empregadas urbanas e rurais, ficando a doméstica excluída da garantia do emprego.

Neste sentido, vinham decidindo nossos tribunais:

1. “Os trabalhadores domésticos, não gozam de todos os direitos previstos no art. 7º da Magna Carta tendo assegurado, apenas, aqueles elencados nos incisos do § único do art. 7º. Ora, não se incluindo neles a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa (inc. I) é inviável buscar a proteção mínima já prevista no art. 10, II, b, § 1º das Disposições Transitórias.TRT – 15ª Reg. RO 8.276/89” (Ac. 2ª T. 8.324/90, 14.8.90), Rel. José Pedro Camargo R. de Souza. LTR 55-09/119. (4)

2. “Não se aplica à doméstica gestante a garantia da proibição da dispensa arbitrária ou sem justa causa prescrita no art. 10, II, letra b do ADCT, por se referir este dispositivo exclusivamente aos empregados beneficiados por esse direito previsto no inc. I, do art. 7º, da CF/88, dos quais a doméstica foi excluída pela omissão do § único deste preceito constitucional.” TRT – 10ª Reg. RO 5.386/89 (Ac. 2ª T. 2.693/90, 13.11.90), rel. juiz Sebastião Machado Filho LTR 55.04/480. (5)

A magistrada e consagrada autora Alice Monteiro de Barros manifestava-se a favor de tal exclusão, nos seguintes termos: “Andou bem a norma constitucional ao excluir a doméstica da referida garantia, pois é sabido que seu trabalho, na maioria das vezes, constitui, além de uma simples relação jurídica, uma ‘complexa relação humana’. Logo, como o serviço é prestado no âmbito residencial, o doméstico desfruta de uma íntima convivência com a família e o elemento pessoalidade ressalta na simpatia, confiança, afinidade e afetividade entre o empregado e o empregador. Logo, obrigar uma família a manter um empregado doméstico, a pretexto de uma estabilidade provisória, quando a confiança deixa de existir, afronta a natureza humana, invadindo-lhe a privacidade” (6). Lembra ainda a autora que o Direito estrangeiro, em geral, também não assegura a garantia em exame, como na Itália e no Chile (7).

Mas, nossos legisladores, já no ano 2000, sinalizavam a abolição de qualquer tratamento desigual relativamente aos domésticos, sendo que o Projeto de Lei Complementar 162/00, do deputado Gessivaldo Isaías, apensado ao Projeto de Lei Complementar 33/88, propunha não só a extensão da estabilidade para a gestante doméstica como também a ampliação para o atual prazo de cinco meses para até doze meses após o parto, salvo se houvesse cometimento de falta grave, justificando que o prazo de cinco meses não é o bastante para assegurar a devida proteção à maternidade e à infância, na medida em que, antes de completar o primeiro ano de vida, a criança carece de cuidados especiais, entre os quais a amamentação e o carinho materno.


Por força da Lei nº 11.324, de 19 de julho de 2006, foi estendida às trabalhadoras domésticas a estabilidade da gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Referida lei facultava ao empregador doméstico a extensão ao FGTS, quando então teria o empregado doméstico direito ao seguro-desemprego em três parcelas de um salário mínimo. Proibia, ainda, expressamente ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado pelo fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia.

Por fim, a Lei Complementar nº 150/2015, efetivando O princípio constitucional da dignidade humana, ampliou direitos e conferiu melhorias na condição social do empregado doméstico.

Destarte, na atual evolução da disciplina do trabalho doméstico, são direitos da categoria:

1. Registro do contrato de trabalho;

2. Salário mínimo fixado em lei;

3. Irredutibilidade salarial;

4. 13º salário, inclusive proporcional no término do contrato de trabalho;

5. Repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

6. Folga nos feriados civis e religiosos;

7. Férias anuais de 30 dias corridos, remuneradas com pelo menos 1/3 a mais do que o salário normal;

8. Férias proporcionais de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário;

9. Licença à gestante de 120 dias sem prejuízo do emprego e do salário;

10. Estabilidade no emprego em razão da gravidez, a partir da confirmação até cinco meses após o parto;

11. Licença paternidade de cindo dias corridos, podendo ser ampliado pelas convenções coletivas das diferentes categorias. Para as empresas filiadas ao Programa Empresa Cidadã, há um acréscimo de 15 dias, comprovando a participação em programa ou atividade de orientação sobre “paternidade responsável”;

12. Auxílio-doença pago pelo INSS;

13. Auxílio-Acidente do Trabalho;

14. Pensão por morte;

15. Seguro-desemprego;

16. Salário família;

17. Auxílio-creche;

18. Aviso-prévio de, no mínimo, 30 dias;

19. Aposentadoria por invalidez e por idade;

20. Integração à Previdência Social

21. Vale-transporte

Por fim, resta salientar que a jornada de trabalho dos empregados domésticos, a exemplo dos demais trabalhadores, é de oito horas diárias, perfazendo o total de 44 horas semanais, com no mínimo um dia obrigatório reservado ao repouso semanal, possuindo, quando a jornada diária de trabalho for superior à seis horas diárias, direito a no mínimo uma hora de intervalo para repouso ou alimentação. Fazem jus ao pagamento de horas extras quando a jornada normal de trabalho for excedida. E, ainda que devidamente registrados, não têm direito ao PIS, vez que ele só tem aplicação aos trabalhadores contratados por pessoas jurídicas.

 


Notas

Art. 7º, § único. “São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social”.

1. Art. 7º, I. “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.”

3. Art. 10, II, b do ADCT. “Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I da Constituição:

II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”.

4. “In” Julgados Trabalhistas Selecionados, de Irany Ferrari e Melchíades

Rodrigues Martins, Ed. LTR, São Paulo, 1.992, pág. 227.

5. Idem, pág. 228.

6. “A Mulher e o Direito do Trabalho”, Ed. LTR, São Paulo, 1.995, pág. 448.

7. “Idem”, pág. 449.

Consultor Júridico

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