Luísa Diniz: Os contratos de execução diferida na RJ

O artigo 49, da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei n° 11.101/2005), define, como concursais, isto é, sujeitos à recuperação judicial (RJ), todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

Nesse sentido, o legislador atentou-se à especificação do critério do vencimento, de modo que, da leitura do artigo de lei, resta claro que o crédito decorrente, por exemplo, de contratos firmados antes do ajuizamento da recuperação, ainda que não tenham as obrigações a ele inerentes vencidas na data do pedido, deve ser elencado no quadro geral de credores da recuperação judicial.

Nessas hipóteses, não há dúvidas quanto à concursalidade do crédito, pois fica claro que o firmamento do contrato entre as partes é o marco inicial de sua existência, e, sendo esse anterior ao pedido recuperacional, estará sujeito aos efeitos da RJ.

Entretanto, a prática mercantil resultou em casos concretos mais complexos, que levantaram, no judiciário, importantes questões sobre os critérios de definição da existência do crédito. Um exemplo disso eram os créditos derivados de processos trabalhistas movidos em face da empresa recuperanda, antes de sua RJ, mas cuja sentença condenatória tenha sido posterior ao pedido.

Diante desses questionamentos, entendeu-se pela necessidade de fixação de um termo inicial para a definição da existência do crédito. Por isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Tema Repetitivo n° 1.051, no exercício dos poderes a ele atribuídos, determinou que o crédito é considerado existente, para fins de submissão aos efeitos da RJ, a partir da data em que ocorreu o seu fato gerador.

Desse modo, caso o processo trabalhista tenha sido decorrente de conduta realizada antes do pedido recuperacional, o crédito dele derivado será concursal, pois a sua existência teve início não com o ajuizamento da demanda, tampouco com a sentença condenatória, mas com a ocorrência da própria conduta que ensejou o processo.

Assim, não obstante a especificação acerca do prazo de vencimento, já prevista no texto normativo (artigo 49, da Lei n° 11.101/2005), houve ainda uma estipulação expressa do STJ (Tema Repetitivo n° 1.051) sobre o termo inicial da existência do débito, que se dá a partir de seu fato gerador.

Todavia, em que pese a referida determinação do STJ tenha sanado boa parte das dúvidas acerca da concursalidade dos créditos, a complexidade inerente ao processo de recuperação judicial, continua a suscitar fundamentadas questões, ainda carentes de posicionamento cristalizado da jurisprudência.

Uma delas diz respeito à sujeição, ou não, dos créditos decorrentes de contrato de execução diferida, a depender das datas de celebração do negócio e de prestação e contraprestação das obrigações das partes.

Esse tipo de contrato é caracterizado pela previsão expressa de cumprimento futuro das obrigações. Assim, a título de exemplificação, o contratado se obriga a entregar, em data futura, um determinado produto, obrigando-se o contratante, por sua vez, a pagar o valor referente a esse produto após a sua entrega (contraprestação).

Logo, caso o pedido de recuperação se dê após a celebração do contrato, mas antes do cumprimento da obrigação, e, por conseguinte, de sua contraprestação, poderá o crédito nele previsto ser considerado existente e, portanto, sujeito aos seus efeitos?

Em outras palavras, o crédito decorrente de contrato de execução diferida é considerado existente já com a celebração do negócio, ou apenas com o cumprimento da obrigação futura nele prevista?

Tal raciocínio, importante dizer, não se opõe ao entendimento firmado pelo STJ, no Tema Repetitivo n° 1.051, tampouco à disposição do artigo 49, da LRF. Isso, pois a discussão não afasta o reconhecimento de que 1) o crédito deve existir antes do pedido recuperacional, para fins de sujeição à RJ, ainda que não vencida a sua obrigação; e de que 2) a existência desse crédito se dá a partir da data do seu fato gerador.

Em suma, o que se discute é se o fato gerador do crédito decorrente de contrato de execução diferida é a mera celebração desse contrato, ou a efetiva execução da obrigação futura nele prevista, à qual se vincula uma contraprestação posterior.

Acerca desse assunto, alguns tribunais estaduais já têm pontualmente se manifestado. A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), no julgamento do agravo de instrumento n° 2023736-47.2022.8.26.0000, em 2022, manifestou-se no sentido de que o fato gerador do crédito, nessa modalidade de contratos, é a data da prestação do serviço (cumprimento da obrigação) e não a da mera celebração do negócio.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG), no mesmo sentido, declarou, em 2021, na apelação cível n° 10000210093654001, que a prestação de serviços, contratada antes do pedido recuperacional, mas executada posteriormente a ele, resulta em crédito extraconcursal, não sujeito, portanto, ao processo de recuperação judicial, uma vez que o pagamento (contraprestação) estaria vinculado à sua execução (cumprimento da obrigação).

Em termos de doutrina, também é possível destacar alguns posicionamentos semelhantes. O professor doutor Marcelo Barbosa Sacramone e a doutora Fernanda Neves Piva, destacando alguns entendimentos diversos sobre o tema, no artigo “Créditos vencidos e vincendos na recuperação judicial: o negócio jurídico sob condição suspensiva e o contrato bilateral”, afirmam que a ausência de cumprimento da contraprestação correlata antes do ajuizamento do pedido recuperacional configura a extraconcursalidade do crédito oriundo de contrato de execução diferida.

Nesse sentido, segundo os autores, somente são sujeitos, ao processo de recuperação judicial, os créditos cuja prestação tenha sido efetivamente executada antes do ajuizamento do pedido; enquanto os demais créditos, sem contraprestação executada até a data do pedido, não se sujeitam aos efeitos da RJ.

Ante o exposto, depreende-se que o posicionamento de, ao menos, parte dos tribunais e da doutrina é no sentido de que o fato gerador do crédito nesses contratos é a execução da obrigação, de modo que, para fins de verificação da sua concursalidade, ou não, pouco importa a data de celebração do contrato em si, mas tão somente a data futura para o cumprimento da obrigação nele prevista.

Assim, se o contrato foi assinado antes do pedido recuperacional, mas a obrigação estava prevista para data posterior a ele, será o crédito extraconcursal; por outro lado, se a obrigação deveria se dar em momento pretérito ao ajuizamento da recuperação, serão os créditos dela decorrentes sujeitos aos efeitos da RJ.

Contudo, conforme já mencionado, a questão carece ainda de um posicionamento cristalizado, sobretudo, dos tribunais superiores, aos quais é incumbida a difícil tarefa de sanar os questionamentos decorrentes da complexidade da matéria da recuperação judicial.

Consultor Júridico

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