Luiz Fernando Valladão Nogueira: O cabimento da sustentação oral

Sabe-se que a sustentação oral está relacionada à indispensabilidade do advogado (artigo 133 CF), assim como aos princípios da ampla defesa e contraditório (artigo 5 LV CF) e da cooperação entre os sujeitos do processo (artigo 6º CPC).

Com efeito, um dos desdobramentos da indispensabilidade do advogado está na sua atuação da tribuna quando do julgamento colegiado de processos pelos tribunais. O diálogo entre os sujeitos do processo  princípio da cooperação  é um salutar meio para que a decisão justa venha a ser proferida.

É sabido, outrossim, que, a partir do CPC/15, o princípio do duplo grau de jurisdição  meio assegurador de intenso debate entre os sujeitos do processo com ganho à qualidade da prestação jurisdicional , perdeu intensidade entre nós. Assim é que, por exemplo, o tribunal de 2º grau poderá, a teor do artigo 938 §3º CPC, em vez de anular a sentença e determinar que outra seja proferida depois da coleta das provas faltantes, simplesmente impor uma diligência para que seja completada a dilação probatória, retornando os autos, em seguida, para imediato julgamento. Na mesma toada, eliminou-se o democrático  mas burocrático  recurso de embargos infringentes, substituído que foi pelo procedimento do artigo 942 CPC.

São apenas alguns rápidos exemplos, os quais ilustram a opção do legislador pela celeridade processual, ainda que em detrimento do debate qualificado.

Por estas e outras, que a derradeira sustentação oral ganha relevo.

E vem à tona, a esta altura, o critério hermenêutico a ser usado, no tocante à interpretação sobre as hipóteses de cabimento de sustentação oral.

Sim, o artigo 937 CPC [1] elenca as hipóteses de cabimento, relegando aos regimentos internos a possibilidade de ampliação (inciso IX). Sem dúvida que o rol é exauriente, mas comportando, por estar relacionado ao acesso à jurisdição, as interpretações conceitual e analógica.

Com efeito, a interpretação conceitual incidirá quando a hipótese prevista para cabimento da sustentação oral estiver, sob a ótica material, presente, inobstante não receba a nomenclatura formal adequada.

Assim ocorrerá, por exemplo, quando um agravo de instrumento desafiar decisão que concede ou nega requerimento para que seja afastado o atentado cometido pela parte no curso do processo (artigo 77 §7º CPC). Ora, o juiz, ao determinar que a parte desfaça aquilo que atenta contra o estado de fato do bem ou direito litigioso (artigo 77 inciso VI CPC), está concedendo uma tutela cautelar, em caráter incidental, eis que se vale de “medida idônea para asseguração do direito” (parte final artigo 301 CPC  tutela de urgência de natureza cautelar).

Tal decisão, embora não enfrente requerimento rotulado, nem mesmo pelo legislador, como de tutela provisória, comporta agravo de instrumento  conceitualmente, trata-se de decisão que enfrenta tutela provisória  e, quando do julgamento do referido recurso, será viável sustentação oral (artigo 937 inciso VIII CPC).

De outro lado, a interpretação analógica [2] dá-se, quando, por força de similitude entre duas situações, deve-se dar o mesmo tratamento legal a ambas, ainda que, com relação a uma delas, tenha sido omisso o legislador. Não poderia ser de outra forma, até porque a omissão do ordenamento jurídico não exime o juiz de decidir [3].

Em assim sendo, tem-se que, por exemplo, é viável a sustentação oral quando o agravo de instrumento intenta obter a extinção do processo (por exemplo, agravo contra decisão que rejeita prejudicial de mérito de prescrição ou decadência). Convenhamos que, se é cabível sustentação oral em recurso de apelação  interposto contra sentença, que é o ato pelo qual o juiz extingue o processo , de igual forma é viável na hipótese acima invocada, já que a eventual acolhida de decadência ou prescrição, ainda que em sede de agravo de instrumento, atrai também a relevante situação de extinção do processo.

Não por outra razão — ainda na linha da interpretação analógica , deve-se admitir sustentação oral quando o agravo de instrumento desafiar decisão que acolhe ou rejeita exceção de pré-executividade. Isso porque, aí também, em regra, a acolhida da exceção leva à grave decisão de extinção da execução.

O deferimento das sustentações orais, em casos como os aqui exemplificados, está em sintonia com métodos hermenêuticos apropriados, assim como antenado com a realidade imposta pelo CPC/15, diploma que tentou encurtar o tempo de duração dos processos, mas, em contrapartida, exigiu a intensificação do diálogo entre os sujeitos do processo.

Não por outra razão que a Lei 14.365/2022, diante da percepção de que a lógica de encurtamento de tempo de duração processual intensificou as chamadas decisões monocráticas nos tribunais, ampliou as hipóteses legais de cabimento de sustentação oral. Em outras palavras, o legislador permitiu sustentação oral em agravos internos que atacam essas decisões monocráticas, as quais são proferidas “na solidão” dos gabinetes dos magistrados, e não de forma pública e no âmbito do colegiado.

Sábia a opção legislativa, pois, como já salientado, o diálogo entre os sujeitos do processo não pode, mormente nas instâncias derradeiras, ser eliminado por meio de decisões unipessoais. Elas até podem ser proferidas, eis que possuem respaldo legal [4], mas o seu reexame pelo colegiado há de contar, em várias hipóteses, com a atuação do advogado por meio da sustentação oral.

Assim é que a aludida lei alterou, em parte, o artigo 7º EOAB, ao dispor:

“§2º-B. Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações:

I – recurso de apelação;

II – recurso ordinário;

III – recurso especial;

IV – recurso extraordinário;

V – embargos de divergência;

VI – ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.”

A sustentação oral, em julgamentos colegiados que envolvam reexame de decisões monocráticas, nos termos do que foi acima transcrito, será cabível. E o cabimento não se limita às hipóteses em que o relator, originariamente, examina o mérito, mas também para as situações em que ele não conhece do recurso.

Perceba-se que, no tocante aos recursos especial e extraordinário, ganha importância a admissão dos mesmos no tribunal de origem. Isso porque será cabível sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão monocrática proferida em recurso especial ou extraordinário, não havendo idêntica previsão para os casos de julgamento monocrático de agravo ao STJ ou ao STF. Isso se justifica porquanto o legislador entendeu merecer sustentação oral, em sede de agravo interno, aquele processo em que houve, por sua relevância, anterior admissão e processamento de recurso especial ou extraordinário.

Acrescente-se, por oportuno, que a sustentação oral deve ser proferida perante os julgadores, ainda que por meio de videoconferência. A dinâmica, devidamente prevista no caput do artigo 937 CPC, assegura a ordem processual e a publicidade do procedimento. Além disso, o contato imediato entre os julgadores e os causídicos permite, no plano prático, que esses últimos possam levantar, a tempo e modo, questões de ordem e erros de fato [5] praticados pelos primeiros.

Com isso há de pontuar-se que não substituem as sustentações orais, tal como concebidas e delineadas no ordenamento jurídico, as eventuais previsões regimentais que permitem o envio de áudios com gravações das orações dos causídicos. Tal procedimento não segue o que prevê o código instrumental, além de trair o espírito e a praticidade do contato imediato entre julgadores e advogados quando dos julgamentos em que há sustentações orais.

A permissividade a esse envio virtual da argumentação oral do advogado pode até ser bem vinda, em relação aos casos em que não há cabimento de sustentação oral, já que amplia, ainda que de forma tímida, o acesso do jurisdicionado por meio de seu causídico. Contudo, esse procedimento alternativo não pode ser usado para substituir a autêntica sustentação oral.

Vale, para arrematar, reafirmar o óbvio: o advogado, para deter a credibilidade que se espera de quem assume a tribuna em tal momento derradeiro, deve ser claro e objetivo, além de profundo conhecedor das nuances do processo em pauta e do ordenamento jurídico de que trata.

Após as digressões já desenvolvidas, cabe concluir no sentido de que:

— o cabimento da sustentação oral deve ser analisado à luz das normas legais, com a incidência das interpretações conceitual e analógica;

— a sustentação oral, para atender o fim a que se destina, deve ser proferida diante dos julgadores e na sequência procedimental prevista em lei;

— o advogado deve ser didático, a fim de que sua intervenção nesse momento derradeiro e mágico do processo seja eficiente e merecedora da proteção legal aqui em debate.

 


[1] Artigo 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do artigo 1.021:

I – no recurso de apelação;

II – no recurso ordinário;

III – no recurso especial;

IV – no recurso extraordinário;

V – nos embargos de divergência;

VI – na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;

VII – (VETADO);

VIII – no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência;

IX – em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal.

§1º A sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas observará o disposto no artigo 984 , no que couber.

§2º O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da sessão, que o processo seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais.

§3º Nos processos de competência originária previstos no inciso VI, caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que o extinga.

§ 4º É permitido ao advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão.

[4] Artigo 932 CPC. Incumbe ao relator:

I – dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes;

II – apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;

III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;

IV – negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

VI – decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;

VII – determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso;

VIII – exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.

Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

[5] Artigo 7º Lei 8906/94:  São direitos do advogado:

X – usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão; (Redação dada pela Lei nº 14.365, de 2022)

XI – reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento;

Luiz Fernando Valladão Nogueira é coordenador e professor do curso de pós-graduação em Processo Civil na Faculdade Arnaldo Janssen. Advogado. Procurador de Belo Horizonte. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro.

Consultor Júridico

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