Machado e Nogueira: Falta de bens e desconsideração da PJ

A 2ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu afetar os recursos especiais nº 1.873.187/SP e 1.873.811/SP para consolidação e uniformização do entendimento acerca da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no caso de inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa. Para o relator ministro Raul Araújo, o tema, apesar de recorrente, ainda não possui solução uniformizadora, concentrada e vinculante, sob o rito dos recursos repetitivos.

De forma objetiva, os leading cases consistem em recursos interpostos contra acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em sentidos opostos, quais sejam: (1) é possível a desconsideração diante da inexistência de bens penhoráveis e encerramento irregular da sociedade, na premissa de presunção de abuso da personalidade jurídica; e (2) não é possível a desconsideração em casos de inexistência de indícios de encerramento irregular mesmo na ausência de bens penhoráveis.

O STJ vai dirimir seguinte controvérsia: “Cabimento ou não da desconsideração da personalidade jurídica no caso de mera inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa” (Tema 1.210/STJ).

Apesar de a controvérsia ser tema recorrente na Corte Superior, como bem relatou o ministro relator, ela não representa tema controvertido, ao menos por enquanto, entre os membros do STJ.

As recentes decisões – que não são poucas – são uníssonas no sentido de que “a desconsideração da personalidade jurídica a partir da Teoria Maior (art. 50 do Código Civil) exige a comprovação de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pelo que a mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular da empresa não justifica o deferimento de tal medida excepcional” (AgInt no REsp nº 2.072.521/MG, relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 4/9/2023, DJe de 8/9/2023). No mesmo sentido: REsp nº 1.572.655/RJ, REsp nº 1.526.287/SP, REsp nº 1.315.166/SP, AgInt nos EDcl no REsp nº 1.873.983/SP, AgInt no REsp nº 2.072.521/MG, AgInt no REsp nº 2.021.473/MT, AgInt no AREsp nº 2.021.508/RS, AgInt nos EDcl no REsp nº 1.699.542/MG, AgInt no AREsp nº 1.852.233/SP.

O entendimento do STJ tem sido, até hoje, uniforme no sentido de que se trata de medida de caráter excepcional que somente pode ser decretada após a efetiva comprovação do abuso de personalidade, mediante confusão patrimonial ou desvio de finalidade, requisitos expressamente previstos no art.igo0 do Código Civil, de modo que a inexistência ou mera dificuldade de se encontrar bens suficientes para a satisfação do crédito associada ao encerramento irregular da pessoa jurídica não constituem elementos suficientes para o deferimento da medida.

Convém pontuar, contudo, exceções a tal entendimento em relações consumeristas (artigo 28 do CDC; REsp nº 1.900.843/DF, rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 23/5/2023, DJe de 30/5/2023), casos de responsabilidade ambiental (artigo 4º da Lei nº 9.605/1998) e execuções fiscais (Súmula 435/STJ), as quais se submetem à teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, que permite o redirecionamento das execuções aos sócios se demonstrado o mero estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica

Os recursos especiais agora afetados pelo STJ tratam de relações de natureza civil-empresarial, submetidas ao regramento geral previsto no artigo 50 do Código Civil e, consequentemente, à luz do entendimento até hoje pacificado no STJ, à teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica (AgInt nos EDcl no REsp nº 1.873.983/SP, rel. ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 3/4/2023, DJe de 2/5/2023).

O objetivo do STJ é criar precedente com força vinculante com relação a tal questão. Feito isto, como os precedentes vinculantes são de observância obrigatória pelos juízes e tribunais (artigo 927, III, do CPC), os recursos especiais contrários à tese que vier a ser fixada devem ter seguimento negado com fundamento no artigo 1.030, I, b, do CPC, obstando seu julgamento pelo STJ.

Rafael Ottoni Nogueira é advogado do Yarshell Advogados.

Consultor Júridico

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