É bastante frequente que empresas incorporadoras entreguem a posse do imóvel vendido antes de observada a transferência da propriedade na matrícula perante o registro de imóveis. Diversos motivos justificam essa circunstância — e a situação pode perdurar por anos diante da resistência do promitente comprador em viabilizar a transmissão da propriedade registral. Como solução para conflitos dessa natureza, a chamada “adjudicação compulsória inversa” é uma alternativa jurídica para as incorporadoras evitarem os inconvenientes da manutenção do registro imobiliário no nome de imóvel já vendido, nos termos dos artigos 15 e 16, caput do Decreto Lei nº 58/1937.
Em regra, após a celebração do negócio e a quitação, os contratantes comparecem ao cartório imobiliário e formalizam a transferência de propriedade perante a matrícula do bem, tornando-se informação pública e com eficácia perante terceiros.
Muitas vezes, isso não acontece. Do ponto de vista prático, a inobservância dessa formalidade pode provocar importantes repercussões financeiras negativas, principalmente aquelas relacionadas às obrigações tributárias do imóvel. Isso porque a eventual inadimplência do possuidor do imóvel em relação aos tributos reais (IPTU e TCL) levará a cobrança dos tributos em desfavor de quem se mantiver na matrícula figurando como proprietário.
Segundo o CTN (Código Tributário Nacional), o IPTU tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel. Essas condições, para fins de responsabilidade tributária, são verificadas pela averbação na matrícula. Dessa forma, o negócio realizado entre as partes — o contrato particular de promessa de compra e venda — não possui efeitos na responsabilidade do pagamento do imposto, até que seja levado ao registro de imóveis com a alteração da titularidade da propriedade.
Fato é que diversas empresas do ramo estão experimentando a cobrança de tributos municipais em seu desfavor, o que poderá originar um passivo tributário substancial.
Do mesmo modo, a inércia ou recusa do comprador também é verificada em relação ao pagamento do ITBI, correlacionado à operação de transmissão da propriedade do imóvel, e cujo pagamento é condição essencial para a efetivação da transferência da titularidade do imóvel na matrícula.
Essa conjuntura coloca o comprador em uma posição cômoda. Se, de um lado, exerce o domínio sobre o bem e dele pode usufruir livremente, do outro, diante do descumprimento das obrigações tributárias do imóvel, esquiva-se de pagar o IPTU e TCL e, igualmente, deixa de arcar com os encargos inerentes à transferência. Neste cenário, a empresa permanece em posição desfavorável, afinal, cumpre com a sua parte do negócio ao disponibilizar o bem e satisfazer o interesse do comprador, mas permanece vinculada às obrigações tributárias intrínsecas ao imóvel diante do Fisco municipal.
Para resolução de conflitos desta natureza, a chamada Adjudicação Compulsória Inversa surge como importante alternativa às incorporadoras. A empresa poderá recorrer ao Poder Judiciário exigindo a regularização do domínio do imóvel pelo promitente comprador, objetivando a transmissão definitiva da propriedade por intermédio da escritura pública. A demanda busca a efetivação do contrato de compra e venda, permitindo que o juiz passe a substituir a emissão da vontade do vendedor, ao proferir sentença que constituirá um título para registro no cartório de imóveis.
Para que isso ocorra, a ação é condicionada à existência de um contrato de promessa de compra e venda, sem direito a arrependimento, devidamente adimplido, assim como a negativa do promitente vendedor em efetuar a transferência do bem. Também encontra fundamento no chamado princípio da boa-fé objetiva, previsto no Código Civil, que impõe aos envolvidos no negócio a obrigação de cooperar para que o interesse de cada parte seja atendido.
Os Tribunais de Justiça estaduais reconhecem que é dever recíproco dos contratantes em contribuir para a conclusão do negócio, inclusive em relação à outorga de escritura pública de compra e venda e o seu respectivo registro no cartório de imóveis. No TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), a título de exemplo, as decisões sobre a matéria vêm sendo positivas para as empresas.
O entendimento é no sentido de acolher os pedidos de adjudicação compulsória inversa, com a consequente imposição ao comprador na obrigação de proceder com a regularização da propriedade imobiliária, assim como a condenação em suportar com os ônus envolvendo o pagamento do ITBI, das custas e emolumentos devidos no ato da transferência.
É uma alternativa considerável às incorporadoras que se encontram nesta situação. Com eventual julgamento favorável, o título passível de ser levado a registro procederá com a regularização de forma menos onerosa, uma vez que o promitente comprador arcará com os ônus que envolvem a transferência. Além disso, a empresa deixará de ser responsável tributária perante o Fisco.
Embora seja um importante recurso para solucionar esse problema, por se tratar de demanda judicial, é recomendável um olhar individualizado sobre a situação da empresa. Assim, é possível estruturar a melhor estratégia jurídica para o encaminhamento do assunto, a fim de apresentar a ideal resolução a ser aplicada.