O procurador da República José Soares, responsável pelas investigações do suposto plano para sequestrar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), optou por deixar o caso após ter negado seu pedido para transferi-lo para a Justiça estadual de São Paulo.
José Soares, que atua no Ministério Público Federal em Curitiba, argumentou que os acusados da suposta tentativa de atacar Moro não cometeram nenhum crime federal. Ele também argumentou que os crimes investigados seriam de competência da Justiça estadual paulista, uma vez que todos os acusados residem em São Paulo e teriam executado o plano no estado.
A juíza Gabriela Hardt, que atua como substituta na 9ª Vara Federal de Curitiba, rejeitou em 28 de março pedido de Soares para enviar a investigação contra Moro para a Justiça estadual de São Paulo. Na última sexta-feira (31/3), a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do MPF proferiu decisão semelhante, mantendo o caso na Procuradoria da República da capital paranaense.
O órgão facultou que José Soares pedisse, com fundamento em sua independência funcional, a designação de outro membro do MPF para conduzir as investigações. A assessoria de imprensa do MPF confirmou à pela revista eletrônica Consultor Jurídico que Soares optou por deixar o processo.
Conforme o procurador, o único crime federal investigado no caso é o de extorsão mediante sequestro para que o Primeiro Comando da Capital (PCC) obtivesse uma vantagem que “não se sabe ainda exatamente qual é”. Segundo Soares, no entanto, só é possível falar em extorsão mediante sequestro quando há ao menos a tentativa de cometer o crime, o que não aconteceu.
“No caso, é notório, de conhecimento público, que o senador Sergio Moro (ou alguém de sua família) felizmente não chegou a sofrer atentado à sua liberdade, à sua vida ou à sua integridade física. Ou seja, o crime de extorsão mediante sequestro, inicialmente planejado e preparado, aparentemente pela organização criminosa PCC, não chegou a ser tentado”, disse Soares.
Os demais crimes investigados (organização criminosa e crime de porte/posse ilegal de arma de fogo) são de competência estadual, afirmou o procurador. Ele elencou os motivos pelos quais o caso deveria ir a São Paulo, em vez de ficar em Curitiba. São eles:
- O PCC foi fundado e atua em São Paulo;
- O plano contra Moro teria sido todo preparado em São Paulo por pessoas que vivem no estado;
- Todos os suspeitos foram presos em São Paulo;
- Houve buscas em 26 endereços, 22 deles (84%) localizados em São Paulo.
Especialistas ouvidos pela ConJur concordam com todos os argumentos do procurado ao apontar que a Justiça Federal do Paraná não é competente para conduzir a investigação. Como os delitos em averiguação não seriam praticados devido ao fato de ele ser parlamentar, nem em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, o processo cabe à Justiça estadual.
E sequer cabe à Justiça paranaense, mas à paulista. Afinal, foi ela que iniciou a apuração. E os primeiros atos preparatórios para colocar o eventual projeto em prática foram praticados por integrantes do PCC em cidades de São Paulo.
Interesse federal
A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do MPF negou o pedido de José Soares de enviar o caso para a Justiça estadual paulista. A relatora do caso, procuradora Luiza Frischeisen, apontou que a investigação deve prosseguir na Justiça Federal porque o PCC visava sequestrar Sergio Moro, que é senador. Segundo ela, “é nítido o interesse federal”, o que atrairia a aplicação do inciso IV do artigo 109 da Constituição Federal.
O dispositivo estabelece que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
Luiza Frischeisen também disse que a competência é da Justiça Federal porque há a suspeita de que o plano para sequestrar Moro visaria tentar articular o possível resgate de Marco Willians Herbas Camacho, o “Marcola”, apontado como chefe do PCC e que está preso na Penitenciária Federal de Brasília.
“Tais as circunstâncias, tudo leva a crer que as ordens partiram de dentro de um presídio federal, a mando do chefe da facção, o que reforça o interesse federal no caso concreto”, declarou a relatora.
Ela também alegou que, “como amplamente divulgado pela mídia”, outros agentes federais, como agentes penitenciários, foram e ainda são alvos do PCC, com intuito de libertação de seus líderes.
A procuradora mencionou que há indícios de que houve acesso indevido de dados pessoais de Moro e sua família, o que pode configurar também a prática do crime de invasão de dispositivo informático (artigo 154-A do Código Penal), cuja atribuição é do MPF, uma vez que o alvo é senador, e sua mulher, Rosângela Moro, deputada federal (União Brasil-SP).
Outro argumento usado pela relatora foi o da isonomia processual, já que, em casos semelhantes, a denúncia foi oferecida pelo MPF. Ela menciona a operação “anjos da guarda”, promovida em agosto do ano passado. Tal como o caso de março de 2023, o de 2022 apurou um suposto plano para resgatar líderes do PCC. A diferença foi o acréscimo de Sergio Moro entre os alvos dessa vez.
Luiza Frischeisen ainda diz que a investigação deve correr na Justiça Federal do Paraná porque os acusados permaneceram em Curitiba por mais de seis meses e alugaram casa próxima à de Moro.
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Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.