Em 22 de setembro do ano passado o Diário Oficial da União publicou a Lei Federal nº 14.457/2022, que ficou mais conhecida por instituir o programa “Emprega + mulheres”. Porém só desde o último dia 21 de março, as empresas passaram a ter novas obrigações trabalhistas referentes à Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio).
Em que pese o chamariz da Lei destacando mulheres, as matérias lá abordadas promoveram profundas mudanças em outros temas, tais como o apoio à parentalidade na primeira infância e a imposição de adoção de medidas de prevenção e de combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no âmbito do trabalho.
Não foi à toa a inclusão deste tema sensível e urgente numa lei voltada para criar mecanismos que reduzissem o desequilíbrio das responsabilidades entre pais e mães e privilegiassem formas de aumentar a empregabilidade da mulher.
É de conhecimento público que são as mulheres as maiores vítimas de assédio sexual, sendo, portanto, esperado que esse desvio da sociedade também se faça presente no ambiente de trabalho.
De acordo com um levantamento realizado junto a mais de 11 mil pessoas em todo o Brasil pela empresa Mindsight, especialista na gestão de recursos humanos, para cada homem abusado sexualmente há três mulheres na mesma situação.
Esse espantoso — porém, infelizmente, já esperado — elevado número de mulheres vítimas de abuso sexual pode encontrar explicação no perfil dos assediadores, já que 76% das pessoas foram assediadas sexualmente por homens e apenas 24% por mulheres.
Já quando se trata de assédio moral essa diferença se reduz substancialmente: 38% das mulheres afirmam terem sofrido assédio moral, contra 30% dos homens.
Quanto ao perfil dos autores de assédio moral, 62% são homens e 38%, mulheres.
Outro dado importante apurado pela Justiça do Trabalho indica que em 2021 foram registrados mais de 52 mil casos de assédio moral no Brasil e mais de três mil casos de assédio sexual. Esses números, apesar de elevados, estão ao largo de demonstrar a realidade do ambiente de trabalho, uma vez que apenas 6,6% das mulheres e 6,4% dos homens que foram vítimas de assédio moral registram algum tipo de denúncia, aponta a pesquisa da Mindsight.
Analisando-se estes números, fica evidente a urgência de inserir no ambiente de trabalho medidas formais para combater tais práticas.
Pois bem! Criada essa obrigação pela Lei “Emprega + mulheres”, de setembro de 2022, cabia então ao Ministério do Trabalho e Previdência regulamentar esse tema para fazer valer o cumprimento da norma. Era, portanto, necessário detalhar a obrigação para viabilizar a fiscalização de seu cumprimento.
Desta necessidade surgiu a Portaria 4.219, de 20 de dezembro de 2022, alterando nada menos do que 17 normas regulamentadoras, para adequá-las à obrigação de combate ao assédio sexual e às outras formas de violência no trabalho.
As mudanças mais significativas dizem respeito à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio (Cipa), que teve sua nomenclatura mudada para a inclusão da palavra “assédio” ao final. Tornou-se, portanto, atribuição da Cipa adotar medidas efetivas de combate à violência no ambiente de trabalho, com especial enfoque ao assédio sexual.
Desde 21 de março corrente tornou-se imperativa a adoção, por parte da Cipa, de medidas efetivas de prevenção e combate ao assédio sexual e moral, não bastando apenas a fixação de cartazes como até então algumas empregadoras faziam.
Dentre outras obrigações, devem ser expressamente incluídas regras de condutas específicas sobre o tema nos regulamentos internos da empresa, com a capacitação de todos, aqui incluindo os c-levels, além de fixar procedimentos sobre eventuais denúncias e suas consequências. Passa, ainda, o assédio sexual e demais formas de violência no trabalho a ser assunto recorrente nas reuniões e práticas capitaneadas pela Cipa.
Vale lembrar que a Norma Regulamentadora 5, que instituiu a Cipa, traz os seus objetivos, sua constituição, sua organização, suas atribuições, seu funcionamento, seu dimensionamento e demais informações indispensáveis para o conhecimento e adequação da Comissão. É, portanto, leitura obrigatória, já antecipando que em grande parte das atividades, as empresas que contarem com 20 ou mais empregados estão obrigadas a constituir a Cipa.
É importante destacar que muito embora a vigência da Lei que promoveu tais alterações tenha se iniciado com sua publicação, em setembro passado, a obrigatoriedade da implantação de tais medidas passou a valer apenas a partir de 21 de março. Isto significa que a partir de agora, a fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho e Previdência por meio das Delegacias Regionais do Trabalho, bem como pelo Ministério Público do Trabalho, tem sinal verde para cobrar sua execução.
Não estando adequada às novas obrigações, a empresa poderá ser autuada e multada. Mas o pagamento da multa não isenta o empregador de cumprir a própria obrigação. Vale destacar que a Portaria, ao final, estabelece que o conteúdo sobre prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência no trabalho deverá ser incluído nos treinamentos realizados a partir de 21 de março de 2023; e os que já tiverem ocorrido deverão ser complementados com este conteúdo.
Atenção especial deve ser dada por todas as empresas que já tenham Cipa constituída há mais tempo. Também devem ficar atentas aquelas empresas que eventualmente tenham sofrido condenação judicial ou, ainda, tenham firmado acordos, judiciais ou extrajudiciais (especial destaque ao acordo firmado com o Ministério Público do Trabalho) abordando estas matérias. As novas obrigações podem acarretar a necessidade de revisão destes termos.
Por fim, mas não menos importante, cuidado especial deve ser tomado pelas empresas que pertencem aos setores da economia já conhecidos pelo domínio feminino. De acordo com o portal Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), as mulheres — maiores vítimas do assédio sexual — representam apenas 32% da força de trabalho nas indústrias brasileiras, sendo os setores que mais empregam mão de obra feminina o de confecções e vestuário (75%) e a indústria farmacêutica (57%).
Assim, há grandes chances de que a fiscalização se inicie pelas empresas que integram estes setores, haja vista a compreensão de que, em tese, estariam expostos a um risco maior das práticas de assédio sexual e moral.
Mariana Machado Pedroso é especialista em Direito do Trabalho e sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados.