Na prática jurídica, é comum nos depararmos com situações em que o devedor, seja antes ou depois da citação em processo judicial, aliena seu imóvel. Isso gera discussões acerca da existência de fraude à execução.
O marco inicial da presunção da fraude à execução, em especial a diferenciação entre o Direito Processual Civil e o Direito Tributário, é um ponto de debate frequente. Ademais, questiona-se se a boa-fé do adquirente do bem poderia eliminar a fraude.
Este artigo busca esclarecer essa problemática, além de examinar as diferenças entre a fraude à execução no direito processual civil e no direito tributário, e as consequências legais para os envolvidos.
Fraude à Execução e a Alienação do Imóvel
O Código de Processo Civil (CPC) estabelece como fraude à execução a venda ou oneração de um bem quando o devedor é citado em processo que possa reduzir seu patrimônio, tornando-o insuficiente para pagar sua dívida. Dessa forma, o marco inicial para considerar uma venda de imóvel como fraude à execução seria a citação em um processo que possa comprometer o patrimônio do devedor.
Se o imóvel é vendido antes da citação, teoricamente, não se caracterizaria fraude à execução, a menos que se comprove que o devedor tinha ciência do processo e alienou o imóvel com a intenção de esvaziar seu patrimônio. Caso a venda ocorra depois da citação, a fraude à execução é mais facilmente caracterizada.
Por outro lado, o Código Tributário Nacional (CTN) define fraude à execução fiscal de forma mais abrangente, considerando a inscrição do crédito tributário em dívida ativa, que independe de citação. Essa diferenciação culmina em controvérsias jurídicas, resultando em decisões diversas, apesar da clareza da Lei Complementar 118/2005 ao considerar fraude à execução a alienação de bens após a simples inscrição em dívida ativa.
Presunção de fraude à execução após a inscrição em dívida ativa
Em uma decisão que pacificou o entendimento, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reafirmou o previsto na LC 118/2005: a fraude à execução é presumida se a alienação for posterior à inscrição do devedor tributário em dívida ativa, independentemente da boa-fé do adquirente.
No entanto, o devedor tem o direito de demonstrar que, apesar da alienação do bem, manteve outros bens suficientes para o adimplemento da dívida, afastando a possibilidade de fraude à execução e a anulação do negócio jurídico celebrado.
Contudo, se a alienação for anulada, mesmo que haja mais de uma compra e venda na cadeia registral, todas elas serão anuladas, restituindo o bem ao devedor. Nesse caso, aos adquirentes resta buscar judicialmente as perdas e danos havidas.
A consequência muitas vezes é que o comprador, ainda que de boa-fé, além de perder o imóvel, acaba sem o dinheiro, dada a situação financeira precária do vendedor e a prioridade do débito tributário sobre o obrigacional.
Por isso, é essencial que o comprador seja cauteloso ao adquirir um imóvel, pois, em algumas ocasiões, a anulação da venda ocorre devido a uma questão anterior à sua compra e venda.
Além das consequências já discutidas da fraude à execução para compradores e vendedores, é importante considerar as implicações que podem surgir quando um dos registros na cadeia registral do imóvel é anulado. Este é um cenário que pode surgir em casos de fraude à execução e tem sérias repercussões tanto para os envolvidos diretamente na transação quanto para o mercado imobiliário como um todo.
Consequências da anulação de um registro na cadeia registral do imóvel
A cadeia registral do imóvel é uma sequência de transações que documentam a transferência de propriedade de um imóvel ao longo do tempo. Quando um registro nessa cadeia é anulado, ele pode ter um efeito dominó, impactando todos os registros subsequentes e causando sérias consequências legais e financeiras para todas as partes envolvidas.
Anulação de transações subsequentes
A primeira e mais imediata consequência da anulação de um registro na cadeia registral é a anulação de todas as transações subsequentes. Isso significa que todas as transferências de propriedade que ocorreram após o registro anulado podem ser invalidadas.
Perda do direito à propriedade
Em consequência da anulação de transações subsequentes, o atual proprietário do imóvel pode perder o direito à propriedade. Isso ocorre porque a anulação do registro retroage a propriedade do imóvel ao proprietário original no momento da transação anulada. Assim, o atual proprietário, independentemente de sua boa-fé, pode se ver sem a propriedade adquirida.
Implicações financeiras
Além das implicações legais, a anulação de um registro na cadeia registral pode ter sérias consequências financeiras. O atual proprietário pode perder não só a propriedade do imóvel, mas também o valor investido na compra. Em alguns casos, a busca por reparação pode ser complicada, especialmente se o vendedor original já estiver em situação financeira precária.
Necessidade de ação judicial
Para recuperar as perdas sofridas como resultado da anulação de um registro, os compradores afetados geralmente precisam buscar reparação legal contra o vendedor original. Este processo pode ser longo, custoso e incerto, tornando ainda mais evidente a importância de uma assessoria jurídica competente desde o início da transação imobiliária.
Dada a gravidade das consequências possíveis, é fundamental que todas as partes envolvidas em transações imobiliárias sejam diligentes, garantindo que todos os registros na cadeia registral do imóvel estejam corretos e legais.
Conclusão
A fraude à execução representa uma questão complexa e delicada dentro do Direito Imobiliário. A análise das legislações tributária e processual civil revela nuances significativas que devem ser levadas em consideração ao tratar da alienação de imóveis por devedores em situações judiciais ou fiscais.
A decisão do STJ trouxe mais certeza jurídica ao afirmar a presunção de fraude à execução no caso de alienação posterior à inscrição do devedor em dívida ativa, independentemente da boa-fé do adquirente. Entretanto, as consequências dessa decisão ainda geram apreensão no mercado imobiliário.
Fica evidente a necessidade de cautela e diligência por parte do comprador ao adquirir um imóvel, principalmente em verificar a existência de ações judiciais ou dívidas ativas que envolvam o vendedor. Além disso, o devedor deve ter consciência de que a alienação de imóveis não representa uma saída segura ou eficaz diante de ações judiciais ou dívidas fiscais, podendo resultar em problemas legais sérios e até mesmo na anulação do negócio.
Nesse contexto, a assessoria jurídica competente é fundamental para navegar pelas complexidades do Direito Imobiliário, evitando surpresas desagradáveis e garantindo transações seguras e legítimas. A atuação proativa de profissionais jurídicos pode ser a chave para prevenir situações de fraude à execução, protegendo tanto o vendedor quanto o comprador e garantindo a integridade e a confiabilidade do mercado imobiliário.
Amadeu Mendonça é advogado imobiliário com ênfase em soluções jurídicas para proteção do patrimônio e negócios imobiliários, sócio fundador do Tizei Mendonça Advogados e pós-graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).