Minirreforma eleitoral e inovação no registro de candidatura

A Câmara dos Deputados instalou nos últimos dias o grupo de trabalho (GT) [1] para debater temas voltados a uma potencial minirreforma para as eleições municipais do próximo ano. Em razão do princípio da anualidade, a aplicação de novas normas com incidência imediata no processo eleitoral vindouro restringe-se as alterações concluídas até 5 de outubro deste ano.

O pouco tempo para debate e elaboração de um relatório afim de subsidiar as propostas para alteração da lei eleitoral tem sido suprido com a participação da sociedade civil e diversas instituições voltadas ao fomento do direito eleitoral no país.

Na última semana, o grupo de trabalho recebeu debatedores que apresentaram proposições sobre a modificações da legislação eleitoral e diante das manifestações ficou nítido a necessidade de o Direito Eleitoral alçar a inovação ao campo dos princípios em contraponto a racionalidade experimental, as posturas conservadoras e pouco transformadoras.  

A inovação tem sua origem fora do Direito, mas, nos últimos tempos tem sido comum falar sobre o tema nas mais diversificadas áreas jurídicas em virtude da sua importância para um processo de modernização e desburocratização da atividade pública e privada.

O termo “inovação” está no campo das normas indeterminadas e não se presente trazer uma definição sobre o tema, mas, corrigir o equívoco de sua redução a criação de novas tecnologias para evolução, diminuição de tempo ou melhor qualificação de ações. Em verdade, a definição é ampla, devendo ser compreendida como uma ruptura nos mais variados campos do conhecimento. Ao analisar a inovação sob o ponto de vista do objeto “representa uma mudança (no contexto em que é produzida) entendida como um progresso” [2].

Schumpeter entende a inovação como novas combinações para a criação de um bem aperfeiçoamento de uma qualidade já existente, com nova organização de produção [3].

Outra concepção aduz que se insere no “campo da amplitude operacional, ou seja, possui vários sentidos e pode ser percebido a partir de diversos sistemas, assumindo em cada um deles construção peculiar e traduzindo determinados objetivos” [4]

O inciso IV do artigo 2º da Lei nº 10.973/2004 define “como introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho” [5].

Na exposição de motivos nº 47 do Ministério da Economia, da Proposta de Emenda à Constituição nº 32/2020 (PEC da reforma administrativa), a inovação foi qualificada “como princípio a ser observado por toda a Administração pública guarda plena consonância com uma concepção modernizadora das relações entre o poder público e a sociedade” [6].

Não menos importante, mas, devidamente compreendida como uma vertente da inovação, o direito digital também se insere no processo eleitoral pelas próprias características dos mecanismos de exercício democrático e debates atuais em torno das fake News, propaganda eleitoral na internet e a perspectiva de uma educação digital [7] condizente com a realidade.

Nas diversificadas concepções, o eixo deve ser a necessidade de aprimoramento e experimento, sendo este último o método utilizado nesse artigo para a justificação da inovação como princípio do Direito Eleitoral, pois, o experimentalismo se constitui “em etapas próprias, dentre as quais cabe destacar: 1) constatação de um problema/status quo; 2) elaboração de alternativas possíveis; 3) compatibilização normativa e implementação controlada” [8],  fases que serão abordadas na sequência.

O cenário é propicio para a inserção da inovação como princípio do Direito Eleitoral, porém, com amplitude que lhe é peculiar, sobretudo, na busca por solução às amarras do estado racional legal que permanece como parâmetro para o direito e processo eleitoral contemporâneo.

Inovação no registro de candidatura

O GT da minirreforma na Câmara dos Deputados recebeu propostas em quase todas as áreas do Direito Eleitoral, com a exposição de motivos para o aperfeiçoamento do sistema. Entre elas, há sugestão de inovação no sistema do registro de candidatura com a criação de um procedimento de pré-qualificação dos candidatos.

O instituto da pré-qualificação se insere dentro do calendário eleitoral de 2024 como momento, através do qual os indivíduos com a pretensão de se lançar candidatos possam iniciar a verificação das condições de registro.

Essa medida visa solucionar problemas relacionados ao tempo e a burocracia. No primeiro caso, a lei eleitoral determina que as decisões sobre acolher ou não os pedidos de registro devem ser proferidos, no máximo, 15 dias antes da eleição para se possibilitar a substituição dos candidatos. Assim considerando o início do registro e o prazo final, o tempo tem sido mais um problema para os atores do jogo eleitoral.

No segundo caso, a legislação instituiu um grande número de requisitos a se comprovar para se tornar apto a concorrer, além das novas condições de inelegibilidade, a partir da Lei Complementar nº 135/2010  Lei da Ficha Limpa, de maior complexidade e que por vezes são atropeladas pelo reduzido tempo que o Poder Judiciário dispõe para decidir.

Nesse sentido, as discussões sobre os requisitos de registro, tais como, prazo de filiação partidária, quitação eleitoral, declaração de bens, e outros pela natureza e prazos fixados na lei podem ter a sua análise antecipada, sem qualquer prejuízo futuro.

A criação desta fase no processo eleitoral pode diminuir o tempo de duração do procedimento de registro, sendo inovação com vistas a desburocratização, além de servir de mecanismo de maior estabilidade política-eleitoral, pois, tem como consequência lógica a solução das candidaturas sub judice, ou seja, pendentes de soluções jurídicas e permanecem mesmo depois de passado o prazo de julgamento.  

Aliás, a manutenção das candidaturas com pendências judiciais e que são resolvidas somente depois da votação tem sido fator de relevante incidência para a realização de novas eleições.

A finalidade da qualificação antecipada

É certo que a fase de qualificação antecipada deve ser estruturada, com um regramento que possa prever relativizações em proteção a capacidade eleitoral passiva [9]. A inovação não tem a finalidade, pelo menos em um primeiro momento, de enrijecer o efeito preclusivo no processo eleitoral.

A ideia de criação dessa fase se molda ao princípio constitucional da celeridade e democratização de acesso, pois, a modernização dos procedimentos pode representar melhor prestação jurisdicional, assegurando a fase de registro depois das convenções, a chancela das candidaturas escolhidas pelos partidos, com maior brevidade.

Por isso, a proposição inicialmente sugere a nova fase depois do prazo de filiação partidária que se encerra 06 meses antes do dia da votação, sendo este o prazo mais elástico no novo marco legal entre os requisitos temporais previsíveis para o registro, com a exceção da escolha do candidato na convenção partidária.  

A partir desse momento quase todos os temas relativos aos requisitos de registro já podem ser tratados, inclusive temas relacionados a inelegibilidade como,  por exemplo, a inelegibilidade chapada [10], explica-se, aqueles casos nos quais a análise da subjetividade é diminuta em razão de situação de fato e direito evidente.

O procedimento sob exame deve se constituir como uma fase perene até o registro de candidatura, sem a estipulação de prazos para se submeter a análise preventiva. A invenção deve ser tida como facilitador do registro, de modo que o prazo inicial seja depois da filiação e o prazo final, o mesmo para o registro. Essa concepção está em consonância com as demais propostas de maior prazo para a período de registro como defendido pelos membros da Abradep Anne Cabral e Walber Agra no grupo de trabalho na Câmara dos Deputados, nos últimos dias [11].

Outro ramo do ordenamento jurídico já contempla a fase de pré-qualificação na análise de requisitos para habilitação. A Lei nº 14.133/2021  Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativo, prevê no artigo 80, a possibilidade de selecionar previamente “licitantes que reúnam condições de habilitação para participar de futura licitação ou de licitação vinculada a programas de obras ou de serviços objetivamente definidos” [12].

Como se pode observar, a nova Lei de licitação já tem na fase de pré-qualificação uma ferramenta de modernização do processo de habilitação. Ademais, a nova fase na contratação pública não gera efeitos de preclusão de direitos, sendo concebida como instrumento contínuo e de garantia de acesso amplo aos interessados em contratar com a administração pública como expresso no §2º, do artigo 80 da Lei de Licitações [13].   

A função e o espírito da fase de pré-qualificação na Lei nº 13.144/2021 pode ser emprestada ao Direito Eleitoral para assegurar maior acesso, prestação jurisdicional de melhor qualidade, com maior tempo aos interessados para iniciar o processo de registro, hoje tão conturbado e complexo diante do reduzido tempo.

Como em toda inovação, a nova fase deve passar por um período de avaliação na prática e eventuais modificações para melhor aplicação, e por esse motivo, a lógica principiológica do procedimento não pode ser alicerçada em preclusão e coisa julgada evitando polêmicas desnecessárias que maculam a proposta e sua utilidade.  

Essa é a essência da inovação proposta no processo eleitoral e assim deve ser aplicada, sem o rigor formal e a previsão de efeitos deletérios sobre a máxima de garantia constitucional da capacidade eleitoral passiva, resultando em maior participação de candidatos e representantes de diversos setores nas eleições.   

 


[7] BORSATO, Patrícia. Apontamentos Gerais sobre Direito Digital Eleitoral. Coord. Daniela Ana Paula M Canto de Lima, Carmina Bezerra Hissa e Paloma Mendes Saldanha. In: Direito Digital: Debates Contemporâneos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

[10] A referência a inelegibilidade chapada é metodológica para exemplificar casos em que é possível soluções com maior brevidade, debate jurídico de menor complexidade, mas, sem qualquer pretensão de apoio a relativização da ampla defesa e do contraditório, já que se trata de garantia universal a todos que litigam no Poder Judiciário e essencial a efetivação da Democracia.

Antonio Joaquim Ribeiro Júnior é advogado, sócio fundador do Escritório Herculano e Ribeiro Advocacia, especialista em Direito Eleitoral, mestre em Direito, Mercado Compliance e Segurança, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e diretor da Associação Brasileira da Advocacia Municipalista (Abam).

Consultor Júridico

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