A ausência do Ministério Público em todas as audiências de uma ação penal e a consequente condução de toda a instrução oral pelo juiz são causa de nulidade do processo. Esses atos processuais deverão ser renovados, com base no artigo 573 do Código de Processo Penal.
Com esse entendimento, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu a ordem para cassar a condenação e a anular a ação penal contra um homem acusado de estupro de vulnerável contra a própria enteada.
A anulação atinge o momento a partir da primeira audiência de instrução. Ao todo foram quatro delas, nenhuma das quais com a presença de represente do Ministério Público. Com isso, a juíza da causa foi quem ouviu a vítima e inquiriu as testemunhas de acusação e defesa.
Dessa forma, a julgador fez as vezes do promotor de Justiça. Sua atuação não se limitou a permitir que as pessoas ouvidas contassem o que ocorreu. Em vez disso, formulou perguntas, para além daquilo que pode ser admitido a título de esclarecimento ou complementação.
A nulidade foi arguida a tempo e modo pela defesa, feita pelo advogado Marcelo Scherer, do Macarthy Scherer Advogados. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que a atuação da magistrada estaria amparada pelo artigo 212 do CPP.
A norma diz que as perguntas serão formuladas diretamente pela parte às testemunhas. O parágrafo único admite que o juiz pode complementar a inquirição, sobre os pontos não esclarecidos. Para o TJ-RS, a juíza da causa agiu em busca de “apurar a verdade real”.
Para o ministro Rogerio Schietti, a conduta comprometeu o devido processo legal e causou prejuízo ao réu, que foi condenado sem a intervenção do órgão acusador e com base em provas não produzidas sob o crivo do contraditório.
“O juiz extrapolou seus poderes instrutórios, ao exercer, com protagonismo, a iniciativa das perguntas que deveriam ser formuladas pelo titular da ação penal, ausente nas audiências Evidente e intuitivo, pois, o prejuízo ao réu, na medida em que se sobrepuseram, em um mesmo sujeito processual e durante toda a instrução, as funções de acusar e julgar”, disse.
O voto cita dificuldades estruturais de alguns Ministérios Públicos estaduais para o atendimento de toda a demanda existente nas comarcas mais longínquas. Ainda assim, aponta que isso não pode validar condutas como a dos autos, que resultou em condenação a pena de 11 ano, 6 meses e 25 dias.
“Dificuldades, porém, que hão de ser contornadas com medidas de gestão e de coordenação entre Judiciário e Ministério Público, que não podem continuar a, comodamente, perpetuar uma situação que compromete a ideia de uma justiça criminal apoiada sobre pilares sólidos, em que os seus protagonistas assumem e desempenham, minimamente, seus papeis na relação processual”, afirmou o ministro Schietti.
HC 806.955