Embora seja dever dos consumidores zelar pela guarda e segurança do cartão magnético e das senhas pessoais, é de competência das instituições financeiras a adoção de mecanismos que impeçam operações atípicas em relação ao padrão de consumo dos clientes. Assim, a vulnerabilidade do sistema bancário viola o dever de segurança que cabe aos bancos e resulta em falha na prestação do serviço.
Seguindo esse entendimento, firmado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Marco Aurélio Bellizze, do STJ, manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) que mandou um banco ressarcir um médico aposentado que foi vítima do “golpe do motoboy” em fevereiro de 2021. Na ocasião, o cliente, de 70 anos, perdeu R$ 98,5 mil.
A dinâmica do golpe tem início com uma ligação para o cliente, em que um criminoso se passa por funcionário do banco. Ele informa ao correntista a existência de movimentações financeiras em seu nome, questionando se o cliente as reconhece. Surpreendida com a informação, a vítima é orientada a entrar em contato com o número da central de atendimento da instituição financeira constante no verso do seu cartão de crédito, para proceder ao bloqueio das operações financeiras desconhecidas.
Ocorre que, previamente, os criminosos fazem a interceptação da linha telefônica do cliente, de forma que, ao fazer a ligação para o número que consta no cartão, a vítima é direcionada para uma falsa central. Acreditando estar em contato com funcionários do banco, o cliente é induzido a digitar a sua senha pessoal — momento em que ela é capturada —, bem como a entregar o objeto, aparentemente inutilizado (cortado), mas com o chip intacto, a um suposto motoboy que presta serviços à instituição.
Na decisão, o ministro considerou o entendimento da 3ª Turma do STJ de que cabe aos bancos, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietários das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), “a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto”.
Bellizze afirmou que, no caso do “golpe do motoboy”, há a concorrência de causas, “de modo que o estelionato não teria êxito se ausente a conduta do consumidor, e, da mesma forma, o crime não ocorreria se a instituição financeira cumprisse com o dever de segurança de impedir transações com aparência de ilegalidade.”
No entanto, o relator destacou que, por se tratar de um cliente idoso, “a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável”. Nessas circunstâncias, deve ser declarada “a inexigibilidade de todas as transações bancárias não reconhecidas pelo recorrente”.
O idoso foi representado na ação pelos advogados Ulisses Riedel, Ludmila Mendes e Arthur Augusto Groke Faria, da Advocacia Riedel. Para Ludmila, a decisão traz segurança o consumidor. “Golpes como esse infelizmente têm se tornado cada vez mais frequentes, e as vítimas, em grande parte das vezes, são idosos. A decisão garante maior segurança para os clientes e incentiva que os bancos adotem medidas de segurança mais efetivas — que de fato bloqueiem as operações fora do padrão de consumo do consumidor — e assumam responsabilidade em caso de desfalque.”
Clique aqui para ler a decisão
REsp 2.062.345