Miranda e Del Papa: Legislação brasileira rumo à economia verde

A humanidade foi moldada pelo uso de recursos naturais para atendimento das necessidades humanas. Durante um longo período de tempo, essa relação foi respaldada na presunção de abundância e infinitude de recursos, sem que houvesse qualquer preocupação com a capacidade de regeneração dos ecossistemas.

A possibilidade de esgotamento dos recursos naturais apenas se tornou uma preocupação para a comunidade internacional no ano de 1972, com a publicação do Relatório Meadows ou The Limits of Growth, por meio do qual uma equipe de técnicos e cientistas do Massachusetts Institute of Technology evidenciou a finitude dos recursos naturais [1].

A partir deste alerta, tornou-se pública a discussão acerca do desenvolvimento sustentável, que pode ser conceituado como o desenvolvimento apto a satisfazer as necessidades atuais, sem comprometer as necessidades das gerações futuras [2].

No Brasil, a gestão de riscos ambientais foi constitucionalizada a partir da promulgação da Constituição de 1988. De acordo com o artigo 225 da Constituição, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo que tanto o poder público quanto a coletividade possuem o dever de proteção e preservação, presentemente, bem como para assegurar a existência digna das futuras gerações [3].

Muito além de prever expressamente a proteção ao meio ambiente, a Constituição de 1988 foi um marco para a promoção da ampliação do aparato legislativo e principiológico sobre o meio ambiente, possibilitando a criação de normas específicas, princípios e objetivos de Direito Ambiental.

Dentre os objetivos almejados, destaca-se o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, conforme previsão expressa do artigo 2º da Política Nacional de Meio Ambiente, Lei Federal nº 6.938/1981 [4]. Apesar da indubitável importância desta harmonia, cumpre ressaltar o quão ambicioso é o referido objetivo, posto que, à primeira vista, a proteção ao meio ambiente e o estímulo ao desenvolvimento econômico podem ser interpretados como interesses conflitantes.

Para sustentar esta harmonia, o Brasil não apenas desenvolveu sua legislação interna, como também se comprometeu com acordos internacionais. À exemplo, tem-se o Protocolo de Quioto, um tratado complementar à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, criado em 1997, que colocou em voga a discussão sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE) [5].

O Protocolo de Quioto se trata de um marco histórico, pois introduziu a ideia de um mercado de carbono ao criar o “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)”: um arranjo que possibilitou a colaboração entre países para o cumprimento das metas de redução de emissões de gases poluentes. Em síntese, o MDL permitiu que um país desenvolvido cumprisse suas metas de redução de emissões a partir da implantação de projetos em países em desenvolvimento.

No decorrer das últimas duas décadas, discussões sobre a necessidade de redução das emissões de gases poluentes na atmosfera e a sua relação com as mudanças climáticas ganharam maior destaque no contexto mundial e, consequentemente, atraíram a atenção da comunidade jurídica. Nesse contexto, o Brasil tem desenvolvido uma legislação específica para a temática, em consonância com os princípios, objetivos e diretrizes já existentes em seu acervo normativo.

Em 19 de maio de 2022, foi publicado o Decreto nº 11.075/2022, que estabeleceu os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa [6].

Nos termos do artigo 4º do referido Decreto, os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas estabelecerão “metas gradativas de redução de emissões antrópicas e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa”, tendo a neutralidade climática como objetivo a longo prazo [7].

O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, por sua vez, foi conceituado no artigo 7º do Decreto nº 11.075/2022 como mecanismo de gestão ambiental apto a operacionalizar os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, de modo a implementar os compromissos de redução de emissões de gases, mediante a utilização e transação dos créditos de carbono [8].

Para viabilizar a atuação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, foi instituído o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare): uma central única para registro de emissões, reduções e compensações de gases, bem como dos atos de comércio, transferências e transações de créditos de carbono [9].

Nesta mesma esteira, em 05 de junho de 2023, foi publicado o Decreto nº 11.547/2023, que instituiu o Comitê Técnico da Indústria de Baixo Carbono, um órgão consultivo que visa a promoção de articulação entre órgãos e entidades públicas e privadas para implementar, monitorar e revisar políticas públicas que estimulem a economia de baixo carbono no setor industrial do país [10].

Na mesma data, foi publicado o Decreto nº 11.548/2023, que institui “a Comissão Nacional para Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal — REDD” [11].

A redução das emissões de gases de efeito estufa decorrentes do desmatamento e da degradação floresta se trata de compromisso firmado pelo país na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Nesse sentido, o Decreto nº 11.548/2023 instituiu a comissão responsável por coordenar, acompanhar, monitorar e revisar a estratégia a ser adotada pelo Brasil, bem como elaborar dos requisitos para o acesso a pagamentos por resultados na redução de emissões [12].

Em 05 de junho de 2023, também foi proferido o Decreto nº 11.549/2023, que alterou o Decreto nº 9.578/ 2018, e incumbiu ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima o dever de elaborar um plano anual de aplicação dos recursos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), bem como de publicar um relatório de execução e aplicação de recursos [13].

Ao analisar as disposições específicas dos regulamentos publicados recentemente, percebe-se que todos buscam a criação de órgãos e a instituição de ferramentas aptas a viabilizar a redução de emissões de gases poluentes e mitigação das mudanças climáticas.

Muito embora a criação de comitês, o desenvolvimento de planos e programas e a articulação entre órgãos públicos e entidades privadas possuam relevância no contexto atual, as medidas adotadas pelo governo carecem de aplicabilidade para que, de fato, produzam resultados ambientalmente positivos.

Sendo assim, é preciso reconhecer que, apesar da importância das inovações legislativas relacionadas à temática, este é apenas o primeiro passo, diante de um longo caminho que o Brasil tem a percorrer rumo à economia verde.

Viviane Kelly Silva Sá Del Papa é advogada e mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

Consultor Júridico

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