Mouta Araújo: Conversibilidade entre EDs e agravo interno

Este ensaio procura enfrentar temas ligados à conversibilidade entre os embargos de declaração e o agravo interno, tratando de aspectos como a ampliação argumentativa, a falta de impugnação específica da totalidade dos fundamentos da decisão recorrida, o não atendimento do prazo para a complementação das razões recursais, o recebimento dos aclaratórios como questão de ordem, etc.

Esta conversibilidade expressamente prevista no CPC (artigo 1.024, §3º), sempre foi objeto de debate, especialmente nos casos de decisão monocrática de desembargador ou ministro de tribunal superior. Em sede interpretativa, especialmente antes da entrada em vigor da legislação processual atual, havia certa restrição a essa transformação recursal, inclusive com precedentes no sentido de que apenas o interno seria oponível em face de decisão monocrática de membro de tribunal, sendo, portanto, incabíveis na espécie os aclaratórios e, como consequência, a decisão transitaria em julgado caso não fosse manejado o recurso ao órgão colegiado.

Contudo, seguindo a literalidade do artigo 1.022, da legislação processual atual, todos os pronunciamentos de tribunais são embargáveis, sejam monocráticos ou colegiados, encerrando, com isso, a discussão quanto ao suposto erro grosseiro em caso de sua oposição em face de decisão unipessoal de relator.

Por outro lado, o CPC também consagra a conversibilidade entre os aclaratórios e o agravo interno, com a necessária ressalva que de que o primeiro é recurso integrativo; e o segundo, é apelo visando a reforma ou anulação do pronunciamento recorrido. A previsão do artigo 1.024, §3º, é clara nesse sentido: se de um lado é permitida a fungibilidade recursal, de outro, o embargante deve ser intimado para complementar suas razões.

Não há, portanto, que se falar em erro grosseiro na oposição dos aclaratórios em face de decisão unipessoal de membro de tribunal. Contudo, se acaso o relator entenda que ao invés de integralizar a decisão, o embargante pretende a reforma ou nulidade do julgado, deve intimá-lo, atendendo à fungibilidade e à cooperação, para a complementação das razões recursais.

Destarte, a oitiva prévia é a conduta a ser adotada no caso concreto, considerando que um recurso é de devolutividade limitada (integrativo) e o outro é de ampla revisão (reforma/anulação). Em uma só frase: a conversão não pode ser automática e serve para atender aos anseios do recorrente e, também, do próprio órgão Julgador.

Vale citar passagem de recentes pronunciamentos do Superior Tribunal de Justiça:

“II – Na forma da jurisprudência, “nos termos do artigo 1.024, § 3º, do NCPC, após intimado o recorrente para complementar as razões recursais, os embargos declaratórios opostos com o intuito de conferir efeitos infringentes à decisão embargada devem ser recebidos como agravo regimental” (STJ, EDcl no AREsp 874.830/DF, relator ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe de 7/10/2016)”. EDcl no REsp 1.635.581 / PE – relator ministro Francisco Falcão — 2ª T — J. em 22/11/2022 — DJe 28/11/2022.

“1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, em atenção aos princípios da fungibilidade recursal e da instrumentalidade das formas, admite a conversão de embargos de declaração em agravo interno quando a pretensão declaratória denota nítido pleito de reforma por meio do reexame de questão já decidida” (EDcl no RE no AgRg nos EREsp 1.303.543/RJ, relatora ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe 10.9.2019)”. EDcl no REsp 2018415 / AL – relator ministro Herman Benjamin – 2º T – J. 28/11/2022 – DJe 13/12/2022.

Aliás, se de um lado é elogiável a conduta ligada à conversão, atendendo à primazia de mérito, à cooperação e à fungibildade, de outro há a necessidade de pugnar pela impossibilidade de transformação automática.

Quanto a este ponto, é importante ressaltar que muitas vezes os embargos de declaração são opostos visando a integralização de um capítulo da decisão e, se o seu recebimento como agravo interno ocorrer de forma automática e sem a prévia intimação para a complementação recursal, pode ser retirada a oportunidade de impugnação de outro capítulo do julgado que, em tese, fragiliza a própria apreciação meritória do apelo [1].

Destarte, em pronunciamentos que contém mais de um capítulo decidido (objeto decidido), a conversão sem a abertura de prazo para ampliação das razões recursais, pode gerar a irrecorribilidade de fundamento suficiente para a manutenção da decisão, com a incidência dos óbices processuais contidos no Enunciado 182/STJ, além dos Enunciados 283 e 284/STF.

Dito de outra forma: em caso de múltiplos fundamentos e oposição de embargos de declaração com impugnação integrativa parcial, nada impedirá que, em sequência, eventual agravo interno seja interposto com a irresignação total. A conversão, portanto, necessita da prévia intimação do recorrente visando ampliar a recorribilidade e impugnar a íntegra do pronunciamento unipessoal.

Logo, acaso ocorra a conversão dos aclaratórios em agravo interno sem o contraditório prévio, há sério risco de não conhecimento deste último, em razão da falta de impugnação total e específica acerca da totalidade dos fundamentos contidos na decisão (capítulo autônomo não recorrido) [2].

Por outro lado, se for corretamente aberto o prazo para complementação das razões recursais e a parte se quedar inerte ou não impugnar a integralidade do pronunciamento unipessoal recorrido, este último recurso não deve ser conhecido. A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo ministro Og Fernandes, entendeu que, em decorrência da omissão, a parte não impugnou especificamente o conteúdo da decisão, incidindo, portanto, o Enunciado 182, da Súmula do STJ:

“PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO. SÚMULA 182/STJ. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo interno, dado o caráter manifestamente infringente da oposição, observado o disposto no art. 1.024, § 3º, do CPC/2015. 2. A ausência de combate específico à conclusão da decisão impugnada impossibilita o conhecimento do agravo interno, seja em virtude do disposto no art. 1.021, § 1º, do CPC/2015, seja pela incidência do enunciado 182 da Súmula do STJ. 3. Agravo interno não conhecido” (EDcl no REsp 1653703 / PE – relator ministro Og Fernandes – 2ª Turma – j. em 19/9/2017 – DJe 22/9/2017) [3].

Ainda no tema, transcrevo passagem de outro recente julgado da 2ª Turma da Corte da Cidadania:

“Recebidos os Embargos de Declaração como Agravo Interno, dele não se conhece quando a parte requerente, intimada a complementar as razões recursais, não se manifesta no prazo legal (arts. 1.021, § 1º, c/c art. 1.024, § 3º, do CPC/2015)”. AgInt no REsp 2007343 / BA – relator ministro Herman Benjamin – 2ª Turma – J. em 17/10/2022 – Dje 4/11/2022.

Ora, se o CPC estimula a conversibilidade, o embargante, em sendo intimado, tem que ter o cuidado em relação ao objeto do agravo interno, a saber: impugnação total da decisão recorrida, visando a sua reforma ou anulação, sob pena do recurso sequer deve ser conhecido.

Três situações derradeiras devem ser apresentadas neste ensaio: a) conversibilidade entre o agravo interno e os embargos de declaração; b) o aproveitamento recursal em caso de não pagamento da multa fixada em razão do uso protelatório do recurso; c) conversibilidade entre os aclaratórios e a chamada questão de ordem.

Nos termos da legislação processual, a transformação é de mão única. Não é possível, portanto, a conversão invertida, eis que, além do prazo menor dos EDs, o móvel do agravo interno é totalmente diferente daquele pretendido nos aclaratórios.

Há, quanto ao ponto, erro grosseiro a afastar a aplicação do princípio da fungibilidade entre agravo interno e embargos de declaração, como entendeu julgado de março de 2023 oriundo da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

“Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, o agravo interno não é o recurso cabível para apontar a existência de vícios integrativos (omissão, contradição, obscuridade ou erro material) em decisão monocrática, pois são os embargos de declaração a via adequada, nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, configurando erro grosseiro a afastar a aplicação do princípio da fungibilidade.” AgInt no REsp 2.001.262 / SP — relator ministro Marco Aurélio Bellizze — 3ª Turma — J. em 13/3/2023 — Dje 16/3/2023 [4].

O raciocínio ligado ao aproveitamento recursal também não está presente nos casos em que inexiste o pagamento da multa pelo uso protelatório de ambos os recursos. Nos termos dos artigos 1.021, §4º e 1.026, §3º, do CPC, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, a interposição de qualquer recurso é condicionada ao depósito prévio da multa.

Logo, é importante indagar: qual a consequência acaso não depositada a multa? E se a parte interpuser outro recurso sem atender ao comando legal? O depósito da multa, no AgInt e também nos EDs, é condição sine qua non para o manejo de outro recurso pelo que, se este for interposto sem esta observância, o mesmo não será conhecido [5].

Aliás, a consequência, além do não conhecimento recursal, é a não interrupção de prazo e, consequentemente, o trânsito em julgado da decisão recorrida. O Superior Tribunal de Justiça tem deixado claro que, além do não conhecimento recursal em decorrência do não recolhimento da multa, ocorre o trânsito em julgado da decisão, com a determinação de baixa do processo ao órgão de origem, mesmo antes da publicação da decisão da corte [6].

Portanto, nos casos envolvendo as multas dos artigos 1.021, §4º e 1.026, §3º, o recolhimento imediato é condição não apenas para manejo de outro recurso, mas também para evitar o trânsito em julgado precoce da decisão. Não se trata, portanto, de mero não conhecimento recursal, mas sim de inexistência do próprio efeito obstativo a impedir a formação de coisa julgada.

Por derradeiro, importa destacar que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já recebeu os embargos de declaração como questão de ordem, senão vejamos:

“Embargos de Declaração recebidos como Questão de Ordem, tendo em vista o princípio da fungibilidade e o teor da insurgência”. EDcl no AgInt no AgInt no REsp 1985497 / PR — relatora ministra Regina Helena Costa — j. em 13/9/2022 — DJe 19/9/2022 [7].

Os aclaratórios, por força de lei, podem ser opostos visando a correção de erro material (artigo 1.022, III, do CPC). Contudo, o que a corte consagrou foi a possibilidade de sua conversão em questão de ordem, para os esclarecimentos, correções e anulações necessárias.

Quanto ao ponto, considerando que a questão de ordem objetiva salvaguardar o correto andamento do feito e a boa ordem processual, essa conversão (fungibilidade como consta no trecho da ementa acima) trata-se de situação importante e diferenciada envolvendo um recurso (embargos de declaração) e uma conduta interna do próprio órgão componente do sistema de Justiça.

A indagação a fazer no caso concreto é se, sendo recebidos os aclaratórios como questão de ordem e assim decididos, terá ocorrido a interrupção de prazo recursal para os litigantes, como afirma o artigo 1.026, do CPC, bem como se o resultado do julgamento da questão de ordem pode piorar a situação jurídica daquele que embargou.

Fica o convite para reflexão quanto aos aspectos aqui mencionados.

 


[1] Em recente julgado, assim entendeu a 3ª Turma do STJ (passagem da Ementa do Acórdão AgInt no REsp 2.024.489 / SP – Rel. Min. Nancy Andrigh – J. em 12/12/2022 – DJe 14/12/2022): “a ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo e/ou independente da decisão monocrática do relator – proferida ao apreciar recurso especial ou agravo em recurso especial – apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada. Precedente da Corte Especial”.

[3] Como consta expressamente no Relatório, “foi determinada a complementação das razões recursais, nos termos do disposto no § 3º do art. 1.024 do CPC/2015, à e-STJ, fl. 302; contudo, a agravante se manteve inerte”.

[4] No mesmo sentido: AgInt no REsp 1959250 – J 13/3/2023 – Dje 16/3/2023.

[7] No mesmo sentido: EDcl no AgInt na ExImp 23 / DF – rel. min. Regina Helena Costa – 1ª Seção – J. em 14/9/2022 – DJe 19/9/2022.

José Henrique Mouta Araújo é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), doutor e mestre (Universidade Federal do Pará), professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), procurador do estado do Pará e advogado.

Consultor Júridico

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