Não há crime de peculato na nomeação de empregada doméstica como assessora de um parlamentar. E, ao oferecer denúncia por tal ato, o Ministério Público age de forma preconceituosa e banaliza o exercício da pretensão acusatória.
Com base nessa argumentação, presente no voto do desembargador Paulo Rangel, relator do caso, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), por unanimidade, concedeu Habeas Corpus para extinguir por falta de justa causa uma ação penal contra a ex-deputada estadual Alana Passos (PTB) e sua ex-assessora de gabinete Fabiana Cristina da Silva.
Alana nomeou Fabiana para o cargo de assessora parlamentar em dezembro de 2019. Segundo a TV Globo, ela era empregada doméstica da deputada. O Ministério Público do Rio, então, denunciou as duas por peculato e pediu restituição de R$ 21 mil aos cofres públicos — valor que Fabiana tinha recebido da Assembleia Legislativa.
A defesa da ex-parlamentar impetrou Habeas Corpus, alegando que não houve desvio de dinheiro público, uma vez que Fabiana desempenhava de fato as funções de assessora parlamentar.
Em seu voto, o desembargador Paulo Rangel apontou que não houve crime. Segundo ele, pode, sim, ter havido um desvio ético, mas aí a função de julgar Alana Passos cabe aos eleitores.
“É direito de todo e qualquer trabalhador receber seu salário. O fato de a assessora exercer suas funções em casa ou qualquer outro espaço determinado pela então deputada não configura crime de modo algum, inclusive porque durante a pandemia, período compreendido pela denúncia até 25/6/2020, todos estávamos em trabalho remoto telepresencial, muitos até hoje, inclusive o próprio Ministério Público e o Judiciário, dentre outras instituições públicas e privadas e nem por isso estão cometendo crime.”
O magistrado ressaltou que o Regimento Interno da Alerj não proíbe que empregada doméstica seja nomeada assessora de parlamentar. E o cargo não exige diploma superior, ao contrário de outros, como de assessor jurídico ou de comunicação.
Rangel também afirmou que não saber usar computador não pode ser impedimento para que alguém seja nomeado para o posto.
“A tese ministerial é carregada de preconceito digital para com uma empregada doméstica. Na visão ministerial, a empregada tem que continuar no lugar em que ela está: nos afazeres domésticos e lá permanecer, eternamente”, criticou o desembargador.
O relator também atacou a sanha punitivista do Ministério Público: “O MP sofre da síndrome do bicho papão, isto é, se assusta com tudo que vê pela frente e acha que tudo é crime e sai oferecendo denúncia contra tudo e todos, banalizando o exercício da pretensão acusatória, através da ação penal. Tornando a ação penal um instrumento de pequena monta em violação ao princípio da intervenção mínima do Estado na esfera das liberdades públicas, criando o injusto jushumanista”.
Paulo Rangel ainda disse que a ação penal teve origem em denúncia anônima, que não é instrumento idôneo para instaurar investigação criminal, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
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HC 0032689-92.2023.8.19.0000
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.