Mudança em delitos sexuais acirra debate na Espanha, diz advogada

A reforma do Código Penal espanhol levou o debate público naquele país a altos níveis de intensidade neste ano, sobretudo em relação às mudanças em tipificações nos títulos de crimes sexuais e de crimes econômicos, de acordo com a advogada Ana Carolina Carlos de Oliveira.

Consentimento é eixo de interpretação sobre crimes sexuais, segundo Ana Carolina

Reprodução

Doutora e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo e especialista em Ciências Criminais pela Universidade de Barcelona, Ana Carolina falou sobre a atividade legislativa em torno das normas punitivas espanholas em entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem publicando desde maio. Nela, algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional analisam os assuntos mais relevantes da atualidade.

A advogada destacou que as discussões, tanto no Parlamento quanto na sociedade da Espanha, estão especialmente acirradas em relação ao capítulo dos crimes sexuais. Segundo Ana Carolina, a legislação local tinha, tradicionalmente, uma classificação desses delitos em três categorias: abuso sexual, agressão sexual e violação (estupro).

Há dois anos, porém, uma decisão da Justiça envolvendo um caso de agressão sexual coletiva a uma mulher — que, segundo o processo, não teria reagido ao ataque — levou os legisladores a discutir sobre a definição de estupro.

“Era muito evidente que havia sido um caso de estupro, mas o Tribunal Supremo espanhol decidiu que era um caso de agressão sexual — ou seja, que era um caso menos grave do que um caso de estupro, porque não houve o uso de ‘violência grave’. Isso gerou uma discussão social, uma manifestação coletiva nas ruas muito intensa contra o Tribunal Supremo, contra as leis espanholas, e isso se transformou em pauta dos legisladores.”

A atividade legislativa, prosseguiu a advogada, resultou em uma reforma do Código Penal que excluiu, no início deste ano, o tipo penal de estupro.

“O foco passou a ser colocado não no exercício de violência para conseguir o ato sexual, mas na falta de consentimento dado pela mulher. E então essas condutas foram unificadas dentro do tipo penal ‘agressão sexual’. Assim, tudo que fosse uma relação sexual não consentida seria classificado como uma agressão sexual — essa foi a reforma do mês de fevereiro.”

A mudança gerou nova reação, desta vez entre apenados. “Quando os tribunais começaram a aplicar essa lei, viu-se que alguma pessoas que haviam sido condenadas por estupro, anteriormente, acabariam tendo uma pena um pouco inferior, no cálculo material, às quais elas haviam sido condenadas. E essas pessoas começaram a entrar com vários processos de revisão da execução penal, pedindo uma pena inferior”, explicou ela.

Tal movimento foi seguido de nova mobilização social, o que levou à aprovação de uma outra lei de crimes sexuais nas últimas semanas.

“Hoje a Espanha tem o crime de agressão sexual, que é toda relação sem consentimento. Existe uma versão de menor gravidade, que é o abuso sexual, no qual há uma relação de intimidação, mas sem uso da força. E voltou-se a uma situação anterior em relação ao estupro — que agora não é um tipo penal autônomo, mas uma forma mais grave do tipo ‘agressão sexual’. Então, antes havia três crimes e agora há dois, com o estupro como forma agravada da agressão sexual”, disse Ana Carolina.

Agora, segundo ela, os delitos sexuais têm como eixo central da interpretação a falta de consentimento na relação.

“Essa lei que provocou todas as reformas do capítulo de crimes sexuais se chama ‘Somente Sim é Sim’. Então, se não há o consentimento expresso e claramente reconhecido entre as duas pessoas que ali estão, aquilo já pode entrar em algumas das classificações dos crimes sexuais do Código Penal. Mas é possível que isso seja modificado novamente, pois continua na pauta do Congresso, e pode ser que sofra revisão no Tribunal Constitucional.”

Crimes econômicos

A reforma do tipo enriquecimento ilícito, no capítulo de crimes econômicos, também gerou debates, principalmente entre acadêmicos e legisladores. Isso porque, segundo Ana Carolina, o delito ganhou uma redação confusa. Além disso, não ficou claro como esse tipo penal será implementado.

“Durante a discussão, alguns professores o olharam com muita estranheza, e é possível que se apresente um recurso de constitucionalidade pela falta de precisão, pela dificuldade que ele tem de atender ao princípio da legalidade. Tudo isso está em aberto na interpretação que o legislador espanhol adotou para o crime de enriquecimento ilícito”, disse a advogada.

Clique aqui para assistir à entrevista ou veja abaixo:

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