O crime de integrar organização criminosa é conduta de ação permanente, ou seja, um delito cuja atividade se prolonga no tempo até sua cessação, fazendo com que exista um estado de flagrância igualmente prolongado. Assim, enquanto durar a permanência do crime, o agente pode ser preso em flagrante delito, pois considera-se que o indivíduo está cometendo uma infração penal.
Com esse entendimento, a Vara de Delitos de Organizações Criminosas do Ceará condenou uma mulher acusada de integrar a facção criminosa Guardiões do Estado (GDE). Delânia de Souza Barroso, conhecida como “Feiticeira”, foi presa em janeiro de 2019, acusada de participar de um atentado à estrutura de um viaduto em uma rodovia na cidade de Caucaia (CE), na região metropolitana da Fortaleza. A pena, de cinco anos, sete meses e 15 dias de prisão, poderá ser cumprida em regime semiaberto.
No mesmo processo, um homem indicado por Delânia como apoiador do grupo foi absolvido da acusação de integrar a facção, mas condenado por armazenar artefatos explosivos. A pena, estipulada em três anos de reclusão, poderá ser cumprida em regime aberto.
A explosão do viaduto da BR-020 iniciou uma onda de ataques criminosos no Ceará. Veículos foram incendiados e prédios públicos e pontos comerciais foram depredados. A onda criminosa foi uma represália à ação do governo do estado de aumentar o rigor na fiscalização das unidades prisionais e acabar com a divisão dos presos por facções nos presídios.
Delânia já vinha sendo procurada após o rompimento de uma tornozeleira eletrônica. Ela foi presa em um banco, duas semanas após o atentado.
Consta nos autos que a ré chegou a confessar, após abordagem policial, ter participado do ataque. Ela revelou o endereço onde o grupo armazenava os explosivos usados nos crimes. O local indicado era a casa de Carlos André de Sá Barbosa. Lá, os agentes encontraram um cordel detonante. O réu disse ter encontrado o objeto na rua e que não sabia do que se tratava. Em juízo, no entanto, Delânia negou tudo que disse aos policiais.
A defesa da ré pediu a nulidade da prisão em flagrante e das provas colhidas, inclusive as extraídas do celular apreendido na ocasião, e afirmou que a ré não confirmou em juízo o depoimento prestado na delegacia. A defesa de Carlos André pediu a absolvição por insuficiência de provas, já que não ficaram comprovados todos os requisitos para configuração dos tipos penais apontados.
Pela decisão, o colegiado formado pelos juízes Marcelo Durval Sobral Feitosa, Henrique Lacerda de Vasconcelos e Elizabeth Santos Vale Rodrigues, destacou o trabalho do setor de inteligência da Polícia Civil do Ceará que, ao analisar denúncias contra Delânia, constatou a ligação dela com a facção. “Nesse contexto, ainda que levando em consideração as alegações trazidas pela defesa, tenho que se tem como configurada a situação de flagrância”, disse.
Na avaliação dos magistrados, a extração do conteúdo do aparelho celular apreendido pelos policiais demonstra a participação da acusada na organização criminosa Guardiões do Estado, “uma vez que o aparelho celular continha diversas imagens de apologia à facção, de armas e de supostos membros da organização, descrevendo nome, área de atuação, telefone e padrinhos na facção criminosa, fato esse que corrobora com o depoimento prestado pela acusada na delegacia”.
Delânia acabou absolvida da acusação de participação na explosão do viaduto. O colegiado considerou que não havia provas suficientes para comprovar a ligação dela com o episódio.
“Nada mais foi produzido nos autos que se mostrassem suficientes para ensejar a condenação da denunciada pelos delitos ora apurados. Muito embora a confissão da acusada em solo policial seja forte indício desse fato, a mudança de versão em Juízo, somada à ausência de outros elementos que atestem o seu efetivo envolvimento, traduz dúvida razoável sobre a autoria delituosa.”
Ao analisar a denúncia contra Carlos André, o colegiado considerou que não se mostrou verdadeira a tese de que ele é vítima de uma “infeliz coincidência”, em que os policiais encontraram fragmentos de artefatos explosivos em sua residência. “Deve-se levar em conta que as declarações prestadas em juízo são uniformes e corroboram a prova produzida durante as investigações policiais, sem qualquer contradição digna de nota. A prova é coerente e harmônica desde a fase policial, o que permite ter a certeza necessária para a condenação”, afirmaram os magistrados.
A denúncia contra Carlos André de integrar a facção foi classificada como “genérica, vaga, imprecisa, em que não se individualiza a conduta do réu”. “No caso sub oculli, verifico que os fatos apurados não trazem elementos concretos a demonstrar que o acusado efetivamente integrava a organização criminosa GDE. Destarte, operou-se dúvida razoável neste colegiado quanto à autoria e materialidade, o que nos impossibilita, forte no princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, exarar decisão condenatória.”
Delânia de Souza Barroso foi representada pelos advogados Flávio Uchôa Baptista Filho e Pedro Felipe Lima Rocha, da Rocha Araruna Uchôa Advogados Associados.
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Processo 0105087-36.2019.8.06.0001