Para advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, propostas que preveem o aumento de pena, como a que deve ser enviada pelo governo federal ao Congresso para punir crimes contra a democracia, se mostraram ineficazes para combater e evitar transgressões.
Trata-se de dois projetos de lei (PLs) em resposta aos atos golpistas praticados por bolsonaristas no 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas.
Um deles trata do aumento de pena, com punições que vão de 20 a 40 anos para o cometimento de crimes que atentem contra a vida dos presidentes dos três poderes, do vice-presidente da República, dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do procurador-geral da República.
A proposta ainda prevê pena de seis a 12 anos de prisão para quem organizar ou liderar movimentos antidemocráticos e de oito a 20 anos para quem financiá-los.
Para Gustavo Henrique de Souza e Silva, da JASA Advocacia, a “aposta em solucionar questões complexas mediante simples previsão legal mais restritiva não encontra resguardo em qualquer estudo empírico”.
“É um projeto cuja essência deposita, mais uma vez, suas esperanças no recrudescimento do sistema penal e processual penal. Trata-se de proposta tão recorrente quanto ineficiente”, afirma.
O outro PL autoriza a apreensão de bens e bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros. O projeto autoriza a União a requerer tais medidas cautelares, enquanto os juízes podem concedê-las de ofício. Souza e Silva também critica a previsão.
“Vale uma crítica específica à possibilidade de medidas cautelares de ofício pelo juiz, proposta que, ao ferir de morte o modelo de um processo penal acusatório, acabará por erodir ainda mais a nossa frágil democracia, cuja ideia do projeto é justamente preservar”, afirma.
Para Natasha Lago, as propostas vão na contramão da norma que revogou em 2021 a Lei de Segurança Nacional ao novamente prever uma série de punições aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
“Além de potencialmente ineficaz, a proposta de aumentar substancialmente as penas de crimes que já são punidos com penas elevadas, partindo da qualidade da vítima enquanto detentora de cargo político, parece resgatar dispositivos revogados da Lei de Segurança Nacional e, dependendo de como estiver redigida, pode criar tratamento diferenciado para autoridades sem que exista, necessariamente, risco para a ordem democrática”, afirma.
A advogada Priscila Pamela, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, diz considerar desproporcional o aumento de pena previsto no PL.
“O sistema prisional brasileiro é caótico e a imposição de penas duras jamais demonstrou qualquer efetividade. O punitivismo exacerbado e de ocasião nunca se revelou medida eficaz de combate ou ao controle de qualquer tipo de crime. A democracia será fortalecida com o reforço de políticas voltadas ao resgate dos horrores da ditadura e da importância de um país livre e democrático e não com a majoração de penas”, disse.
Já sobre as decretações de cautelares de ofício, a advogada afirma que, se aprovada, a medida viola o sistema acusatório e “não coaduna com o direito processual”.
Camilo Onoda Caldas, diretor do Instituto Luiz Gama, diz que, historicamente, o aumento de penas não se mostrou ferramenta eficaz para reduzir crimes, seja no Brasil ou no mundo.
“Esse é um ponto que todos os estudiosos de criminologia concordam. O aumento de pena pode até ser justificável do ponto de vista da gravidade da conduta, mas não para produzir um efeito dissuasivo. Mais eficiente é evitar a impunidade e mostrar que quem cometeu crimes irá receber a punição adequada conforme a gravidade da conduta.”
Marcelo Turbay, sócio do Almeida Castro, Castro e Turbay, afirma que, em momentos de tensão, há uma certa tendência de a opinião pública achar que o aumento de penas é medida eficaz, “o que se mostra historicamente equivocado”.
“O ideal é aperfeiçoar métodos investigativos, investir em detecção e prevenção de crimes e apostar em medidas punitivas não criminais, mas com suficiente efeito coibitivo, preservando sempre direitos e garantias dos investigados”, afirma.