Natália Xavier: Prática do anatocismo por instituição financeira

As instituições financeiras conquistaram um lugar importante na economia brasileira, ao passo que, dentre dez instituições financeiras mais lucrativas do planeta, quatro eram brasileiras, segundo levantamento realizado em 2021 pela consultoria Economática com base no ROE (sigla em inglês para retorno sobre patrimônio líquido). A lucratividade pelas referidas instituições financeiras segue em alta, em razão das possibilidades e flexibilidades fornecidas por tais instituições na concessão de crédito, mediante a cobrança de taxas de juros, por exemplo.

No Brasil, em 1964, entrou em vigor a Lei 4.595/64 que dispõem sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias que, em seu artigo 17º trouxe a definição de instituição financeira:

“Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

E para que essas instituições financeiras cumpram uma de suas finalidades, ela materializa o negócio jurídico por meio de contrato bancário.

Em síntese, o professor Fábio Ulhoa Coelho define contrato bancário como um veículo jurídico de atividade econômica de intermediação monetária encontrados no polo de captação e no de fornecimento financeiro.

E por meio deste contrato, presume-se a declaração de vontade dos contratantes para todos os termos ali avençados. No entanto, nem sempre é observada a discrepância entre o valor inicial contratado e o final efetivamente despendido pelo consumidor, isso porque a forma de capitalização de juros, ou seja, o tipo de cálculo utilizado no contrato, não é observado.

Atualmente, os contratos bancários celebrados em todo território nacional, a fim de manobrar a correção monetária e a inflação do país, estão imputados a capitalização de juros de forma composta, logo a taxa de juros é calculada não apenas em cima do capital inicial, mas também em cima dos juros que a aplicação já tiver rendido.

E para se referir a esse método de capitalização de juros, ou seja, o famoso “juros sobre juros/juros compostos” é utilizado o termo jurídico  anatocismo.

A primeira introdução do instituto de juros em nosso ordenamento jurídico, foi no Decreto Lei 22.626/33 que dispõe sobre os juros nos contratos e de outras providências, definindo o anatocismo como a cobrança de juros sobre juros e trazendo dois principais artigos para esta discussão, o artigo 1º e 4º deste Decreto Lei.

Em seu artigo 1º houve a proibição de estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa lega, enquanto o artigo 4ª vedou a cobrança de juros sobre juros.

Isso desencadeou diversos entendimentos ambíguos e a fim de sanar tais repercussões, o STF publicou a Súmula 121/STF, vedando a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.

Após 13 anos de sua edição e controvérsias suscitadas referente à aplicabilidade do anatocismo especificamente nos contratos bancários, o Superior Tribunal Federal pacificou o entendimento por meio da Súmula 596/STF, pela qual foi definido que as instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional, não se submetem às disposições do Decreto Lei 22.626/33.

Assim, o entendimento foi de que as instituições financeiras podem aplicar o anatocismo nos contratos bancários sem qualquer condicionante, conforme interpretação extraída da Súmula 596 do STF.

Cumpre esclarecer que a Súmula 121/STF que vedou a capitalização de juros possui como Referência Legislativa o art. 4º do Decreto Lei nº 22.626/1933, no passo que a Súmula 596/STF está vinculada ao entendimento contido no art. 1º do DL 22.626/33, que trata do limite taxa de juros, atualmente fixados em 2%, com a finalidade exclusivamente de remuneração, limitada e proibida a cobrança destes juros acima do dobro do legal, enquanto os juros moratórios estão fixados em 1% mês. Em suma, as Súmulas se completam.

O advento MP 217.036/2001 ratificou a permissividade da cobrança capitalizada de juros, mas acrescentou uma condicionante, de que essa possibilidade só é possível se constar taxativamente pactuado no contrato bancário.

E para completar o posicionamento da MP 217.036/2001, o Supremo Tribunal de Justiça, por meio da Sumula 539 do STJ, firmou o entendimento de que é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP nº 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.

Em decorrência disso, foi editada a Súmula 541/STJ no que tange ao termo “expressamente pactuado”, esclarecendo que, se o valor da taxa de juros anual for superior ao duodécuplo (doze vezes) da mensal será o suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.

Logo, bastava-se o cálculo e a constatação do valor ter resultado superior ao duodécuplo da taxa de juros mensal, já era o suficiente para a cobrança do referido juros compostos.

O STJ, ainda, em julgamento do Recurso Repetitivo 1.388.972/SC reinterpretou a Súmula 541/STJ e completou a Súmula 539/STJ, deliberando o objetivo do termo “expressamente pactuado” do qual seja constar no contrato expressões de termos passíveis de identificação desta prática, tais como: “juros sobre juros”, “juros capitalizados”, “anatocismo” “juros compostos” entre outros.

Assim, segundo esse último entendimento, apenas com essas expressões explicitas no contrato é que se entende que houve o “expressamente pactuado”.

Considerações finais

Como regra geral é vedada a prática de anatocismo, no entanto, as duas supremas cortes de nosso ordenamento jurídico, se posicionaram de forma favorável pela aplicabilidade de anatocismo, desde que devidamente previsto no contrato e apenas em contratos celebrados por instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional.

 

Referências

CASTELANI, Clayton. 4 dos 10 bancos mais rentáveis do mundo são brasileiros. Folha Uol, [S. l.], p. 1, 4 abr. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/04/4-dos-10-bancos-mais-rentaveis-do-mundo-sao-brasileiros.shtml. Acesso em: 30 ago. 2022.

RIOS, Eduardo Higino. Contratos Bancários. Jusbrasil, [S. l.], p. 1, 2 set. 2016. Disponível em: https://eduhrios.jusbrasil.com.br/artigos/324869950/contratos-bancarios#:~:text=Quanto%20aos%20contratos%2C%20se%20destacam,o%20cliente%2C%20figura%20como%20depositante. Acesso em: 4 jul. 2022.

MAMONA, Karla. 56% das transações bancárias no país são realizadas pelo celular, diz Febraban. Exame, [S. l.], p. 1, 21 jul. 2022. Disponível em: https://exame.com/invest/minhas-financas/56-das-transacoes-bancarias-no-pais-sao-realizadas-pelo-celular-diz-febraban/. Acesso em: 23 ago. 2022.

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