Nova lei afasta vínculo de emprego entre pastor e igreja

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, na última sexta-feira (4/8), a Lei 14.647/2023, que estabelece a inexistência de vínculo empregatício entre entidades religiosas e seus membros. A norma foi publicada nesta segunda-feira (7/8).

Norma regulamenta entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudênciaReprodução

Conforme o texto, o regime de trabalho da CLT não vale para os chamados “ministros de confissão religiosa” — como pastores, padres, rabinos, imames e babalorixás —, nem “membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem”, mesmo que se dediquem a atividades ligadas à administração da organização religiosa ou que estejam em formação ou treinamento.

Colocando no papel

O entendimento já era dominante na jurisprudência. Como já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o Tribunal Superior do Trabalho já reiterou diversas vezes a inexistência de vínculo. Ao menos as 1ª, 4ª, 5ª, 6ª e 8ª Turmas já negaram a relação de emprego entre pastores e igrejas. O sistema da Corte não permite a filtragem necessária para traçar todos os precedentes quanto ao tema.

Os Tribunais Regionais do Trabalho adotam o mesmo posicionamento majoritário do TST. Entre as cortes que já proferiram decisões desfavoráveis aos líderes religiosos reclamantes, estão TRT-1, TRT-2, TRT-3, TRT-4, TRT-7, TRT-14, TRT-15, TRT-18 e TRT-24.

Além disso, a previsão da lei já era consolidada na jurisprudência do Direito Religioso. Uma das posições mais difundidas sobre o assunto é a do advogado Gilberto Garcia, presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Segundo ele, as instituições religiosas e seus sacerdotes têm um “relacionamento transcendental”, fruto de uma “vocação sobrenatural”, na qual o templo “é o instrumento humano para o cumprimento da missão existencial de vida”. Ou seja, não existe uma “contrapartida laboral”.

Nas palavras de Thiago Rafael Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), o líder religioso “não tem um chefe” — pelo menos não uma figura humana: “O chefe dele é a divindade”.

Além disso, as remunerações eventualmente recebidas não têm natureza salarial. Os pastores, por exemplo, recebem a prebenda, que funciona mais como uma ajuda de custo.

Exceção à regra

A nova lei também prevê que o vínculo empregatício pode ser reconhecido “em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária”.

Tal regra busca proteger sacerdotes que sejam tratados mais como funcionários do que como líderes espirituais, em claro desvio de suas funções — por exemplo, pastores que precisem cumprir horários específicos, recebam ordens não espirituais de superiores, tomem advertências e suspensões, sofram descontos na remuneração, recebam contracheque, façam hora extra ou até mesmo atendam telefones, pintem igrejas e deem aulas que não de ensino religioso.

Exceções do tipo também já eram reconhecidas pela jurisprudência. A 3ª Turma do TST, por exemplo, já reconheceu o vínculo de emprego de um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) que recebia prêmios — como casa ou automóvel — de acordo com sua produtividade e era punido caso não cumprisse metas de arrecadação de ofertas e dízimos. 

Desjudicialização

Na visão de Garcia, a nova lei respeita a inviolabilidade de crença e a separação Igreja-Estado. De acordo com ele, a regulamentação “contribuirá efetivamente para a drástica redução de ações judiciais na Justiça do Trabalho pleiteando o vínculo laboral com entidades espirituais”.

Vieira ressalta que, mesmo com o entendimento consolidado pela jurisprudência, a falta de uma lei poderia gerar dúvidas. Assim, partes e advogados que não conheciam a doutrina do Direito Religioso acabavam ajuizando demandas infrutíferas. Por isso, ele vê a nova lei como “um bom filtro para que não se entre com ações na Justiça”.

A advogada Silvana Neckel, que atua com Direito Religioso e Canônico e é conselheira e diretora executiva do IBDR, lembra que processos do tipo chegavam a gerar sentenças contrárias à jurisprudência dominante: “Em primeiro grau de jurisdição, eram prolatadas algumas decisões que reconheciam este vínculo empregatício”.

Assim, para ela, a lei, ao “regular as situações vivenciadas nas diversas entidades religiosas”, traz segurança jurídica e, “por certo, reduzirá significativamente os litígios judiciais”.

Consultor Júridico

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