Nulidade de ação que envolve incapaz não é automática

“A ausência da intimação do Ministério Público, quando necessária sua intervenção, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, sendo necessária a demonstração do efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia jurídica”, declarou o ministro Luis Felipe Salomão, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) no julgamento do REsp 1.694.984.

Uma empresa ajuizou ação de rescisão contratual e reintegração de posse contra uma mulher e obteve vitória parcial em primeira instância. Na apelação, o curador da ré afirmou que ela foi interditada durante o curso do processo, por ter sido considerada absolutamente incapaz para os atos da vida civil, e requereu a declaração de nulidade da citação feita em seu nome.

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O MP estadual também pediu a anulação do processo, por vício na citação e ainda porque não houve a intimação do órgão para atuar no feito, o qual envolvia interesse de pessoa que foi declarada incapaz na ação paralela de interdição.

Ao analisar o caso, a 4ª Turma reafirmou o entendimento de que os atos do interditado anteriores à interdição até podem ser reconhecidos como nulos, mas esse não é um efeito automático da sentença de interdição, devendo ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, na qual precisará ser demonstrado que já havia incapacidade na época de sua realização.

Quanto à falta de intimação do MP, o ministro Salomão, relator, afirmou que a intervenção do órgão nos processos que envolvem interesse de incapaz “se justifica na possibilidade de desequilíbrio da relação jurídica e no eventual comprometimento do contraditório em função da existência da parte vulnerável”.

No entanto, o magistrado observou que, “no instante do ajuizamento da ação de rescisão contratual, não havia sido decretada a interdição, não havendo se falar, naquele momento, em interesse de incapaz e obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público”. Além disso, apesar da falta de intimação do MP nesse processo, Salomão considerou que o órgão compareceu aos autos, após denúncia de terceiro sobre possíveis irregularidades, e pôde cumprir seu papel por meio de “inúmeras manifestações”.

Ausência de interrogatório do interditando pode levar à anulação do processo

Em outro caso que tramitou em segredo, no qual também decidiu que o MP não poderia atuar como curador especial, a 3ª Turma entendeu que a ausência de interrogatório do interditando dá ensejo à nulidade do processo de interdição.

Uma mulher ajuizou ação de interdição com pedido de tutela antecipada para obter a curatela provisória de sua mãe, diagnosticada com mal de Alzheimer. O MP se manifestou pela necessidade de interrogatório da idosa, mas o juízo de primeiro grau dispensou a providência, com base na qualidade da perícia médica, e decretou a interdição, nomeando a filha como curadora. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou provimento ao recurso do MP.

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o instituto da interdição de uma pessoa

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou ser importante que o juiz proceda ao exame pessoal por meio de entrevista, ainda que não tenha conhecimentos para fazer diagnósticos. Segundo ela, o exame pessoal não é apenas para avaliação do estado biológico do interditando, mas serve para verificar seus laços afetivos, suas condições materiais e cognitivas, a forma como se relaciona e se comporta em sociedade e, especialmente, sua opinião sobre a interdição e sua relação com quem pretende ser o curador.

“O exame a ser feito mediante interrogatório em audiência, pessoalmente pelo juiz, não é, portanto, mera formalidade. Ao contrário, é medida que garante a participação e a própria defesa do interditando no processo. Aliás, é também medida de humanização do trabalho judicial, que poderá, com habilidade e dedicação, conhecer fatos que o processo oculta ou omite”, declarou.

Ordem dos legitimados para ajuizamento da ação de interdição não é preferencial

Para a 3ª Turma, a ordem dos legitimados para o ajuizamento da ação de interdição não é preferencial, e qualquer pessoa que se enquadre no conceito de parente do Código Civil (CC) é parte legítima para propor esse tipo de ação. 

O processo — que tramitou em segredo judicial — começou quando um homem requereu a interdição de sua sobrinha, afirmando que ela foi diagnosticada com esquizofrenia e seria incapaz para os atos da vida civil. Na contestação, a interditanda sustentou que seu tio não tinha legitimidade para ajuizar a ação, uma vez que a ordem prescrita nos artigos 1.768 do CC e 1.177 do Código de Processo Civil (CPC) não foi observada. A sobrinha alegou, ainda, que somente na falta ou na impossibilidade dos pais é que a lei confere a outro parente a legitimidade para a propositura da ação de interdição.

O relator do recurso no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, esclareceu que a enumeração dos legitimados prevista no artigo 1.177 do CPC é taxativa, mas não preferencial, podendo qualquer dos indicados propor a ação.

De acordo com o magistrado, o caso é de legitimação concorrente, não sendo a propositura da ação prerrogativa de uma única pessoa, pois mais de um legitimado pode requerer a curatela, formando-se um litisconsórcio ativo facultativo. “Ambos os pais, ou mesmo mais de um parente pode propor a ação, cabendo ao juiz escolher, em momento oportuno, quem vai exercer o encargo”, explicou.

Laudo médico pode ser dispensado na propositura da ação de interdição

Em outro julgamento relevante da 3ª Turma, foi definido que o laudo médico previsto no artigo 750 do CPC como necessário à propositura da ação de interdição pode ser dispensado se o interditando não quiser se submeter ao exame. O caso tramitou sob sigilo. 

Ao ajuizarem o pedido de interdição de sua mãe, duas mulheres não conseguiram juntar à petição inicial o laudo médico sobre a condição da interditanda, pois ela se recusava a fazer qualquer tipo de tratamento com especialista. O juízo de primeira instância extinguiu o processo sem resolução do mérito por ausência de interesse processual (artigo 485, inciso VI, do CPC), ao fundamento de que não foi apresentado documento indispensável. O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) negou provimento à apelação das autoras.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, observou que, embora o artigo 750 do CPC mencione o laudo médico como necessário à propositura da ação de interdição, esse mesmo dispositivo legal ressalva, expressamente, a possibilidade de tal documento ser dispensado na hipótese em que for impossível juntá-lo à petição inicial.

A relatora também ressaltou que o laudo precisa apenas fornecer elementos indiciários, que tornem juridicamente plausível a tese de que estariam presentes os requisitos para a interdição, de modo a viabilizar o prosseguimento da ação. Ela ponderou que o laudo não substitui a prova pericial a ser produzida em juízo, de forma que o julgador não deve ser demasiadamente rigoroso diante da alegação de impossibilidade de apresentá-lo.

“Se se tratasse de um documento indispensável à decisão de mérito, deveria o julgador ser mais rigoroso, mas, por se tratar de documento necessário à propositura da ação e ao perfunctório exame de plausibilidade da petição inicial, deve ele ser mais flexível, justamente para não inviabilizar o acesso à Justiça”, afirmou.

REsp 1834877

REsp 1694984

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