A partir das alterações promovidas pela Lei nº 14.112/2020 na Lei de Recuperação e Falência (LREF), a compra de créditos submetidos aos processos de recuperação judicial e falência entrou no radar das gestoras e dos fundos de investimento, passando a ser uma via extremamente favorável aos credores.
Na recuperação judicial, o artigo 54 da LREF prevê que os créditos trabalhistas ou oriundos de acidente de trabalho devem ser pagos: 1) em até 12 meses com possibilidade de deságio; ou 2) em até 24 meses, sem possibilidade de sofrer qualquer abatimento no seu valor original e desde que sejam dados bens que garantam o pagamento da integralidade dos créditos, conforme entendimento das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo:
O “caput” do artigo 54 da Lei 11.101/05 concede prazo máximo de um ano para pagamento dos créditos oriundos relações de trabalho, com a possibilidade de extensão deste prazo por mais um ano, em um total de dois anos, se respeitados os termos do que dispõe o §2° do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 14.112/20:
“(…)
E, em clara oposição ao disposto na Lei, a cláusula 7.1 do plano de recuperação (fls. 5186/5187 dos autos principais) prevê o pagamento dos credores em um prazo de três anos, com limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, aplicando-se o deságio quirografário ao montante do crédito que exceder este limite:
(…)
Assim, não apenas o prazo proposto no ajuste extrapola o limite imposto na Lei de regência, como também não garante o pagamento da integralidade de todos os créditos trabalhistas, requisito essencial para a dilação anual do prazo (art. 54, §2°, III, Lei 11.101/05)” [1].
Veja-se que, enquanto a LREF permite o prazo de pagamento desses créditos em até 2 anos, os demais créditos não possuem essa previsão legal. Por conta disso, os planos de recuperação judicial costumam prever o pagamento dos outros créditos em uma média de 9 anos, conforme estudo do Observatório de Insolvência:
“Para a classe dos credores titulares de créditos com garantia real, a mediana dos planos de recuperação judicial estabeleceu prazo de 9 anos para o pagamento dos referidos créditos.
(…)
O estudo apontou um prazo médio de 9 anos para o pagamento dos credores quirografários, com deságio médio de 70,8%. Diferentemente da classe anterior, em 82,7% dos processos o pagamento da dívida teve a presença de deságios. Desconsiderando esses planos sem deságio, o deságio médio foi de 70,8%” [2].
Na falência, o crédito trabalhista também é privilegiado, pois é o primeiro na ordem de pagamento daqueles submetidos ao processo falimentar, conforme previsto no artigo 83 da LREF:
“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho;
II – os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado;
III – os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias;
VI – os créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;|
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; e
c) os saldos dos créditos derivados da legislação trabalhista que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, incluídas as multas tributárias;
VIII – os créditos subordinados, a saber:
a) os previstos em lei ou em contrato; e
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício cuja contratação não tenha observado as condições estritamente comutativas e as práticas de mercado;
IX – os juros vencidos após a decretação da falência, conforme previsto no art. 124 desta Lei.”
Nota-se, portanto, que tanto na recuperação judicial quanto na falência, os créditos trabalhistas e de acidente de trabalho são privilegiados, pois a lei impõe um prazo de pagamento mais curto na recuperação judicial, e estabelece como o primeiro a ser pago dentre os créditos submetidos ao processo de falência.
Todavia, antes da reforma promovida na Lei nº 11.101/2005, a partir da cessão desse crédito trabalhista para terceiros, a sua natureza se desconfigurava e passava a se classificar em quirografário, ou seja, deixava de ser atrativo para circularização no mercado, principalmente na falência, uma vez que passava a ser classificado em uma classe notoriamente mais prejudicada.
A alteração legislativa incluiu o artigo 83, §5º, da LREF, a previsão de que os créditos cedidos a qualquer título terão mantidas a sua natureza e classificação. Assim, ocorrendo a comercialização (cessão) desses créditos, não haverá mais a subtração de seu privilégio, o que gera um estímulo para todos os envolvidos e, por consequência, faz com que haja maior facilidade e segurança na circulação do título.
No caso do crédito trabalhista, por exemplo, o credor trabalhista que o queira ceder/alienar para ter o seu crédito pago de forma mais célere, poderá fazê-lo de forma segura e garantir que o cessionário/adquirente tenha mantido o mesmo privilégio no recebimento perante a devedora em crise.
Nota-se que foi muito bem-vinda a alteração promovida pelo legislador, uma vez que, com a manutenção da natureza e da classificação do crédito cedido, o crédito ganha atratividade, e, por outro lado, o credor poderá receber de forma mais célere, ao invés de esperar o pagamento através do plano de recuperação judicial ou na falência.
Nesse contexto, ante a permissão legislativa trazida recentemente pelas alterações na Lei nº 11.101/2005 — Lei de Recuperação de Empresas e Falência —, é fato que as cessões dos créditos sujeitos ao processo de recuperação judicial e ao processo de falência ganharam importante segurança jurídica, seja para os cedentes, seja para os cessionários, o que, consequentemente, fomenta ainda mais esse mercado e dá uma nova alternativa de liquidação para os credores, a partir da atratividade na circulação dos títulos.
Márcia Ferreira Ventosa é advogada, especialista em Direito Processual Civil pela EPM e em gestão pela Fundação Dom Cabral, com extensão em recuperação judicial pela PUC-SP.
Thaís Vilela Oliveira Santos é especialista em Direito Processual Civil pela EPM e em recuperação judicial pela Fadisp.
Arthur Santos Gonçalves é pós-graduado em Direito Processual Civil e graduado pelo Mackenzie e advogado atuante na área de recuperação de empresas e falência.